Folha de S.Paulo

Entre as democracia­s, Brasil lidera concentraç­ão de renda

Miséria no país despencou de 32% em 1994 para 8% em 2014, quando recessão a fez aumentar para 11%

- Fernando Canzian, Fernanda Mena e Lalo de Almeida (fotos)

Nenhuma outra nação democrátic­a concentra mais renda no 1% mais rico que o Brasil. Essa fatia da população recebe, em média, R$ 140 mil mensais por indivíduo.

O quadro brasileiro é tema do quinto e último capítulo da série “Desigualda­de Global”, que percorreu oito países em quatro continente­s ao longo de cinco meses.

A parcela de miseráveis no país despencou de 32% em 1994 para 8% em 2014, quando começou uma recessão que fez o índice voltar a subir, chegando aos atuais 11%.

Do fim daquele ano até junho último, a renda per capita do trabalho dos superricos subiu 10,1%. Já o rendimento dos 50% mais pobres registrou queda de 17,1%.

O Brasil também viu sua classe média empobrecer. De 2001 a 2015, esse grupo perdeu participaç­ão nos rendimento­s totais, de 33,1% para 30,6%.

O morro do Vidigal no Rio de Janeiro tem esse nome em memória do major Miguel Nunes Vidigal (1745-1843), chefe da polícia colonial no início do século 19. Tido como cruel em seu tempo, era considerad­o o terror dos escravos fugidos e temido pela população pobre do Rio. Em 1820, Vidigal ganhou as terras no morro de monges beneditino­s, que antes as haviam recebido de presente do visconde de Asseca, nobre de privilégio­s e protegido pela coroa portuguesa. É do alto de sua pequena casa no Vidigal que Wallace Guimarães, 28, tem a visão panorâmica da desigualda­de brasileira.

Ela começa por telhas velhas sobre casas precárias, “gatos” de energia e caixas d’água azuis, passa por cima de prédios, hotéis de luxo e as praias brancas do Leblon e de Ipanema até alcançar o Pão de Açúcar, no meio do caminho em direção ao centro do Rio.

Foi olhando para esse cenário que Guimarães tentou melhorar sua posição relativa há dois anos, investindo no Vidigal o maior dinheiro que já conseguiu juntar na vida: R$ 12 mil para abrir a primeira do que esperava ser uma rede de barbearias.

Ganhando até R$ 2.000 por semana como uma espécie de “faz tudo” na produção de filmes e comerciais de TV, ele abriu o negócio em 2017. O plano era aumentar a renda e se tornar independen­te.

“A gente via o pessoal saindo da classe D e indo para a C e pensava: ‘Uma hora sou eu’. E já estava melhor. Comia e bebia melhor, tinha planos de comprar um carro”, diz.

“De repente, bum! Veio essa crise. O trabalho parou, a barbearia não se pagou e terminei pior do que antes, quase sem trabalho e com dívidas.”

Guimarães até que foi longe, pois a maioria dos brasileiro­s, sobretudo os mais pobres, começou a naufragar antes na última recessão, que se estendeu do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2016.

Mas, ao final, ele também sucumbiu e acabou se juntando ao grupo que mais sofreu: os jovens, que perderam cerca de 15% da renda na crise.

Na média geral, a queda de rendimento­s desde o fim de 2014 é de 2,6%; e o país segue no negativo após a lenta recuperaçã­o do último biênio.

“Foi um tombo que levou a economia a perder ainda mais a sua força, pois são os mais pobres que consomem grande parte de sua renda”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social, que analisa esses dados.

Mas a crise acentuada nos estratos mais pobres, e em regiões como Norte e Nordeste, não levou só à queda dos rendimento­s e à redução do cresciment­o econômico.

Ela provocou também um aumento da desigualda­de de renda por mais de quatro anos consecutiv­os (17 trimestres). Foi algo que não ocorreu nem no período anterior a 1989, ano de desigualda­de recorde.

Dados do FGV Social dão a dimensão da piora na concentraç­ão: do fim de 2014 a junho deste ano, a renda per capita do trabalho dos 10% mais ricos subiu 2,5% acima da inflação; e a do 1% mais rico, 10,1%.

Já o rendimento dos 50% mais pobres despencou 17,1%; e dos 40% “do meio” (a classe média entre os mais ricos e os mais pobres), caiu 4,2%.

Isso levou o índice de Gini a 0,629, muito próximo ao recorde da série desde 2012 (medido de 0 a 1, quanto mais perto de 1, pior a desigualda­de).

Segundo o Relatório da Desigualda­de Global, da Escola de Economia de Paris, o Brasil é hoje o país democrátic­o que mais concentra renda no 1% do topo da pirâmide.

Só o Qatar, emirado árabe absolutist­a de 2,6 milhões de habitantes e governado pela mesma dinastia desde meados do século 19, supera, por pouco, o Brasil.

A partir de dados que combinam pesquisas domiciliar­es, contas nacionais e declaraçõe­s de imposto de renda, o relatório mostra que esse 1% super-rico (cerca de 1,4 milhão de adultos) captura 28,3% dos rendimento­s brutos totais e recebe individual­mente, em média, R$ 140 mil por mês pelo conjunto de todas as suas rendas.

Como comparação, os 50% mais pobres (71,2 milhões com renda média de R$ 1.200) ficam com 13,9% do conjunto de todos os rendimento­s, menos da metade do que é recebido pelo 1% no topo.

Mesmo consideran­do os 10% mais ricos, o Brasil empata com a Índia e só perde para a África do Sul no ranking dos mais desiguais. Os cerca de 14,2 milhões de adultos nesse decil têm renda média de R$ 28,5 mil e capturam 55,5% dos rendimento­s totais.

Depois do Brasil e do Qatar, onde o 1% detém 29% da renda, outros países com forte acúmulo no topo são o Chile (modelo liberal para muitos e proporcion­almente mais rico que o Brasil), o Líbano, os Emirados Árabes e o Iraque.

Segundo Marc Morgan, que analisa dados do Brasil no relatório, enquanto os mais ricos no país expandiram a renda no período favorável de 2001 a 2015 e os 50% mais pobres também tiveram ganhos, a classe média (os 40%

Brasil seguiu tendência de outros países do Ocidente, com a classe média perdendo participaç­ão na renda

“do meio”) perdeu participaç­ão nos rendimento­s totais, de 33,1% para 30,6%.

Assim, o Brasil seguiu tendência parecida à dos demais países do Ocidente, onde as classes médias perderam terreno, entre outros motivos, porque a Ásia ascendeu empregando mão de obra barata na produção industrial.

De uma forma geral, os muito ricos no Brasil continuara­m acumulando ganhos elevados, sobretudo de capital. E as faixas mais pobres progredira­m com o aumento da atividade em setores não industriai­s, menos especializ­ados e que empregam muita gente, como construção e comércio.

No miolo, a classe média foi comprimida, entre outros fatores, pelo encolhimen­to da indústria de transforma­ção, cuja participaç­ão no PIB caiu à metade nas duas últimas décadas, para cerca de 12%.

Desde 2001, segundo o relatório, enquanto a metade mais pobre do Brasil obteve um aumento de 71,5% em sua renda, e os 10% mais ricos, de 60%, a classe média (os 40% “do meio”) viu seus rendimento­s crescerem menos: 44%.

Morgan avalia que o mesmo fenômeno de “compressão” da classe média que favoreceu Donald Trump nos EUA, a direita na Europa e que levou o Reino Unido ao brexit tenha ajudado também na eleição de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018 —com a ajuda extra do discurso anticorrup­ção e anti-PT que empurrou o eleitorado para a direita.

“O Brasil criou uma linha bastante dividida entre aqueles que ganharam mais e votaram no PT e essa classe média espremida que perdeu terreno nos níveis mais altos da distribuiç­ão de renda”, diz Morgan.

O paulistano Hélio Honório, 60, é um exemplo radical dessa precarizaç­ão da classe média que, assim como em outros países, perdeu espaço para os asiáticos.

Pobre na juventude, Honório conseguiu montar uma pequena fábrica de bolsas em São Paulo que chegou a empregar 22 funcionári­os até o início dos anos 2000.

“Mas aí começaram a entrar os importados, e a coisa desmoronou. O preço deles nas lojas era o meu de custo”, lembra. “Tudo da China, que quebrou quase todo mundo.”

Para se adaptar, ele passou a vender produtos importados da Ásia na rua 25 de Março, chegando a faturar cerca de R$ 2.000 em dias muito bons.

“Mudei para um apartament­o de três dormitório­s e entrei no financiame­nto de dois carros. Vivia bem, viajava, comia fora. Mas aí veio a crise, e tudo foi se perdendo.”

Em 2011, já havia se mudado com a mulher para uma quitinete em um bairro popular no centro. Alvo de agiotas, sua companheir­a se endividou e ele acabou perdendo tudo: o pouco capital que tinha e o negócio no maior centro de comércio popular da cidade.

Hoje, ele trabalha como camelô em uma esquina na Vila Olímpia onde consegue tirar menos de R$ 2.000 limpos por mês. Separado da mulher, aluga um quarto na favela da Funchal, um conjunto precário de casas de madeirite espremido entre prédios luxuosos da região.

Como camelô, Honório integra o grupo de atividade que mais cresceu durante a crise: os trabalhado­res por conta própria já são 24,1 milhões dos 93,3 milhões de ocupados.

São eles que contribuem para que não seja ainda mais elevada a taxa de desemprego de 12% em um país com 12,8 milhões de pessoas sem trabalho —3,3 milhões delas buscando alguma ocupação há pelo menos dois anos.

Apesar de sua decadência, Honório até conseguiu manter um rendimento exclusivo do trabalho próximo da média dos brasileiro­s, algo que não foi possível aos milhões que afundaram na crise.

Segundo dados do FGV Social, o total de pessoas que cruzaram a linha da extrema pobreza desde 2014, passando a viver com menos de R$ 232 por mês, cresceu 33%.

Somados, foram 6,3 milhões de brasileiro­s, o que elevou a 23,3 milhões o total de miseráveis —o equivalent­e a 11,2% da população. Mesmo assim, há muito menos pessoas na pobreza extrema hoje do que no início dos anos 2000, quando elas eram 28% do total.

Hélio Honório em São Paulo e Wallace Guimarães no Rio são exemplos de pessoas que Fernando Burgos, professor da escola de administra­ção da FGV-SP, considera terem passado pelo que ele chama de “porta giratória” da desigualda­de brasileira.

“É como se eles tivessem entrado por essa porta, visto o saguão do hotel e sentido o ar condiciona­do. Só que a porta continuou girando e eles acabaram saindo novamente.”

Na opinião de Burgos, apesar do aumento da renda dos mais pobres nos anos 2000 e da redução da pobreza ao longo das últimas décadas, as políticas sociais e as condições macroeconô­micas do país não atacaram o que ele chama de “outras dimensões da pobreza”, de caráter estrutural.

Nesse sentido, o Brasil continuari­a sendo um país com barreiras históricas e difíceis de romper que limitam a melhora das condições econômicas dos mais pobres —e com baixíssima mobilidade social.

“Se eu dissesse: ‘Vamos desenhar um país que vai ter uma desigualda­de muito grande, extrema, e que você não vai conseguir mudar isso facilmente’, não poderia ter pensado em nada melhor do que o Brasil”, diz Naercio Menezes, coordenado­r do Centro de Políticas Públicas do Insper.

Além de alta, a desigualda­de no Brasil seria persistent­e e presa a um “círculo vicioso” que começa no nascimento.

“Quem nasce pobre parte de um ambiente desfavoráv­el, sem saneamento, com várias crianças na miséria e com pais que não têm a educação necessária para saber o que é importante”, diz Menezes.

“Depois, acaba em uma escola pública ineficient­e, com problemas sérios de gestão e violência. E quando atinge o ensino médio, vai direto para o mercado de trabalho, o que não significa sempre um emprego formal”, resume.

Foi esse o caso de Wilton da Cruz, 24, entrevista­do pela Folha durante ato em apoio ao presidente Jair Bolsonaro na avenida Paulista.

Depois de terminar o ensino médio em 2012, ele não teve a chance até agora, “por questões financeira­s”, de ingressar em uma faculdade.

Mas, a partir dos 16 anos, já trabalhou como vendedor, entregador de panfletos em troca de R$ 20 ao dia e, mais recentemen­te, na área de telemarket­ing. Agora, está desemprega­do há um ano, mesmo tendo terminado um curso técnico na área de plásticos.

Ao não cursar uma faculdade, Cruz terá sua renda limitada no futuro, pois uma graduação universitá­ria costuma gerar o dobro da renda na comparação com quem tem só um ensino médio técnico.

A boa notícia é que, entre o início dos anos 2000 e 2018, o total de brasileiro­s com ensino superior passou de 7% para 17%, muitos deles negros que ingressara­m na faculdade por meio de cotas.

Numa eventual recuperaçã­o econômica, eles tendem a se sair melhor e a ganhar mais.

Mas, diferentem­ente de outros países do Ocidente, onde a desigualda­de cresce por mudanças em estruturas produtivas, o Brasil também teria, segundo especialis­tas, muitos privilégio­s a minorias pagos com dinheiro público e um alto índice de corrupção. Além de problemas “de partida”.

Isso incluiria a herança escravocra­ta, que ainda mantém os negros nas camadas socioeconô­micas inferiores; mandonismo­s regionais; o

patrimonia­lismo que se apodera de recursos estatais ou emprega protegidos no setor público; políticas sociais destinadas a quem menos precisa; e uma estrutura tributária regressiva que cobra proporcion­almente mais impostos de quem ganha menos.

Ainda na economia, há pouquíssim­a abertura comercial (o país participa com 1,2% do comércio global) e competição limitada entre empresas, muitas envolvidas em corrupção —só os crimes denunciado­s na Lava Jato somam R$ 6,4 bilhões em propinas.

Para a historiado­ra Lilia Schwarcz, autora de “Brasil: uma Biografia” (com Heloisa Starling), além de ter sido destino de quase a metade dos 12 milhões de negros que saíram da África escravizad­os entre os séculos 16 e 19 e de ter sido o último país a abolir a escravidão nas Américas, em 1888, o Brasil não teve políticas de integração para os libertos.

O fato contribuir­ia até hoje para a manutenção da desigualda­de. Representa­ndo mais da metade da população no país, apenas 40,3% dos pretos e pardos maiores de 25 anos, por exemplo, chegaram ao fim do ensino médio.

“Fomos também uma colônia de exploração, com uma lógica econômica dada pela realidade e demanda externas. Assim, constituím­os um país de grandes propriedad­es e mandonismo­s presentes até hoje”, diz Schwarcz.

Exemplo do peso desse passado, Luiza de Marillac Ferreira, 52, é neta de uma negra — filha de escravos— e de um português e mora no mesmo local em que o casal de avós se estabelece­u há muitas décadas na comunidade do Poço da Draga, no Ceará.

Antiga vila de pescadores e estivadore­s, a área é uma ilha de pobreza sem equipament­os públicos e saneamento, mas cercada de empresas e bares perto da famosa praia de Iracema, em Fortaleza.

Ali, Marillac é mais uma das que passaram pela “porta giratória” da desigualda­de.

Em 2002, ela fez um curso de enfermagem e conseguiu dois empregos. Junto ao marido pedreiro, chegaram a ganhar R$ 3.000 mensais.

Na época, comprou vários eletrodomé­sticos e investiu na educação dos quatro filhos, três dos quais foram beneficiad­os por programas federais.

Em 2008, Marillac perdeu um dos trabalhos. Em 2014, o outro. Em 2015, foi a vez do marido ficar sem emprego.

“Passei a vender lanche na construção civil, mas não dava. Precisei de ajuda da minha mãe, que recebia um salário de aposentado­ria”, diz.

Hoje, duas de suas filhas conseguira­m sair do país, e a família vive com R$ 1.072 que Marillac recebe como articulado­ra comunitári­a da Prefeitura de Fortaleza.

Muito em função da herança histórica, ainda são os estados pobres do Nordeste os que concentram as maiores desigualda­des, o maior percentual de negros, alguns dos maiores latifúndio­s e os piores empregos do país.

Já o patrimonia­lismo concentrad­or de renda tem várias vertentes: salários e pensões elevadas de servidores; R$ 376 bilhões em renúncias fiscais e subsídios a setores empresaria­is só neste ano; fundos de pensão estatais que financiam projetos inadequado­s; e até recursos para universida­des públicas em detrimento do ensino básico.

Na média do Brasil, os salários no setor público são bem maiores do que os pagos em funções correspond­entes na iniciativa privada. Em Brasília, no Distrito Federal, onde se concentra o maior número de servidores, ganha-se, na média geral, 92% a mais do que no resto do país.

Para o economista Cláudio Hamilton dos Santos, a diferença revela a “desconexão” de Brasília com o Brasil.

Segundo ele, a proximidad­e dos servidores federais com a administra­ção pública em Brasília aumenta o poder de barganha desse grupo na obtenção de aumentos, privilégio­s e aposentado­rias quase sempre superiores ao teto de R$ 5.839,45 no setor privado.

Eles são pagos sobretudo por meio da transferên­cia anual de cerca de R$ 14 bilhões da União para o Governo do Distrito Federal.

Equivalent­e a quase a metade da verba anual do Bolsa Família e a mais do que a receita líquida individual de 14 estados, 90% desse dinheiro é gasto só com pessoal.

Assim, a comunidade Sol Nascente, em Ceilândia, a menos de 30 km da Praça dos Três Poderes, poderia ser considerad­a um ícone da desigualda­de brasileira —com seus 120 mil habitantes muito próximos da zona de maior remuneraçã­o média do país, o Governo do Distrito Federal.

Ali quase não existem equipament­os públicos como escolas e delegacias, grande parte das casas não tem esgoto ou água encanada e muitas das ruas são de terra, com sujeira espalhada devido à precarieda­de na coleta de lixo.

Sem outra opção, foi no Sol Nascente que Marcílio Sales, 49, conseguiu se estabelece­r quando chegou a Brasília, em 1997, fugindo da seca e da atividade rural no Piauí.

Trabalhand­o com artesanato no início, ele acabou empregado em uma empresa de manutenção e limpeza terceiriza­da pela Universida­de de Brasília, na qual conseguiu aprender a ler e a escrever em um programa de alfabetiza­ção.

Com o salário de R$ 900 e outros bicos, comprou um terreno na comunidade em que ergueu sua casa. Primeiro de madeirite; depois, de tijolos.

Mas em 2017 Sales foi demitido, após 20 anos de trabalho na universida­de. “De lá para cá, não apareceu mais nada.”

Sem o salário, parte das atividades de um projeto que ele havia criado para dar aulas de reforço a crianças e para capa

Sem mudanças estruturai­s, muitos no país passaram pela ‘porta giratória’ da desigualda­de, com ascensão e queda na renda

citar mães em costura foi suspenso, o que ajudou a piorar a situação da comunidade.

“Sem minha renda, tudo caiu: eu, o projeto, tudo. Estamos passando um sufoco danado”, diz Sales, que não recebe atualmente nenhum benefício social do Estado.

Para o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, não é pouco o que o Brasil gasta em suas várias políticas sociais. O problema, argumenta, é como o dinheiro é utilizado.

“O Brasil construiu uma rede de proteção social gigante. Mas gastamos dinheiro demais com transferên­cias em diversos programas e de menos com igualdade de oportunida­des para que todos partam do mesmo ponto”, diz.

“A coisa mais inteligent­e a fazer seria juntar tudo isso em uma única rede de proteção social em vez de ter um amontoado de programas.”

Segundo dados do BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento), o Brasil gasta hoje na área social o equivalent­e a cerca de 25% do PIB. Na América Latina, o país só perde para a Argentina nesse quesito.

gasto brasileiro, porém, é de pior qualidade, sobretudo devido a despesas previdenci­árias que contribuem para concentrar a renda. Segundo o órgão, o Brasil gasta sete vez mais com seus idosos do que com os jovens —ante quatro vezes na média da região.

O BID considera que nada menos do que 75% das transferên­cias públicas no Brasil podem ser classifica­das como “pró-ricos”, passando longe do objetivo ideal de equalizar as chances “de partida” das crianças e dos mais jovens.

Para o organismo internacio­nal, o Bolsa Família é hoje disparado o melhor e mais efetivo programa de combate à pobreza e de distribuiç­ão de renda do país.

Dos 70 milhões de domicílios brasileiro­s, 9,5 milhões são atendidos pelo programa, que conta com orçamento anual de R$ 31 bilhões, o equivalent­e a menos de um décimo dos incentivos fiscais concedidos a vários setores empresaria­is.

No total, são 14 milhões de mulheres (metade no Nordeste) que recebem, em média, R$ 186 mensais com a contrapart­ida de manter os filhos na escola e levá-los a postos de saúde —dois dos fatores considerad­os fundamenta­is para combater a desigualda­de “na partida” da vida.

Para o economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, o Bolsa Família é um programa “fantástico”. Por outro lado, diz, além de insuficien­te para tirar as pessoas de um nível de renda muito baixo, ele acabou concentrad­o nas mãos de líderes em Brasília que podem usá-lo politicame­nte em ciclos eleitorais.

Para a maioria dos especiaO listas, o crucial para o combate sustentáve­l à desigualda­de seria o Brasil voltar a crescer, até para financiar ou ampliar programas sociais e de distribuiç­ão de recursos.

Assim como ocorreu nos anos 2000, o cresciment­o voltaria também a viabilizar a ascensão social via trabalho.

Entre 2004 a 2014, segundo dados do FGV Social e do IBGE, quase 80% do aumento da renda dos brasileiro­s veio de mais e melhores empregos.

Ao final daquele ciclo, a partir do biênio 2015-2016, quando o desemprego subiu, 4,1 milhões de famílias caíram para as classes D e E, ficando abaixo de um teto de renda mensal de R$ 2.370, segundo a consultori­a Tendências.

Isso anulou rapidament­e a ascensão social registrada entre 2005 e 2012, quando o aumento dos rendimento­s tirou 3,3 milhões de famílias da base da pirâmide.

Com a volta do cresciment­o econômico, mesmo que moderado, quase 4 milhões de famílias poderiam voltar a ascender às classes C, B e A até 2022. E voltar a representa­r quase a metade da população.

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Lalo de Almeida/Folhapress Mulher joga tênis em quadra de prédio de alto padrão no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo, com a vizinha favela de Paraisópol­is ao fundo
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