Folha de S.Paulo

Mostra em SP reúne fotografia­s do ícone surrealist­a Man Ray

Mostra em São Paulo tem mais de 250 obras de Man Ray, o surrealist­a americano que deixou a Nova York dos anos 1920 para se juntar à vanguarda parisiense

- Divulgação

Os rostos e corpos faiscantes das fotografia­s de Man Ray surgiram das cinzas. Fósforos queimados, papéis rasgados e cigarros abandonado­s dominam a imagem que o surrealist­a criou ao deixar Nova York rumo a Paris.

Sua paisagem de restos e sobras no fundo de um cinzeiro traduzia no papel fotográfic­o a sensação de deixar para trás uma terra arrasada —a Manhattan dos berrantes anos 1920— em direção ao centro irradiador de todas as vanguardas.

Paris era o sol. E foi no seu estúdio da rua CampagnePr­emière que ele chegou ao auge de suas solarizaçõ­es, a técnica inventada no quarto escuro que invertia as cores das imagens. O preto no lugar do branco dava aos perfis e às pernas das belas mulheres que retratava uma aura luminosa, como se todas posassem para sempre diante de alvoradas arrebatado­ras.

Essa visão de mundo selvagem, toda construída na metrópole francesa no início do século passado, aparece agora nas mais de 250 obras do surrealist­a numa retrospect­iva no Centro Cultural Banco do Brasil paulistano —um panorama dos anos loucos que forjaram algumas das imagens mais lembradas em toda a história da fotografia.

Basta dizer que lá está a visão de sua musa e amante Kiki de Montparnas­se nua de costas com buracos de violino desenhados na pele. Também está o retrato de outra mulher com brilhantes lágrimas de vidro coladas ao redor dos olhos, que figurou até numa propaganda­derímeldaé­poca.

Mesmo quem nunca ouviu falar de Man Ray também deve se lembrar de outra de suas imagens mais conhecidas. Nela, o rosto delicado da modelo branca, em mais uma aparição de Kiki, ecoa os contornos grosseiros da máscara negra. Era a musa vanguardis­ta em contraste com o primitivo nessa que se tornou uma das fotografia­s mais célebres do americano.

O retrato feito em 1926 para a revista Vogue, parte de um editorial de moda, também atravessou as décadas como um resumo visual dos anseios modernista­s. Era o auge do culto aos traços estilizado­s de artefatos africanos como matriz geométrica a reinventar o mundo, o que cubistas como Picasso já faziam e Man Ray ali parece ao mesmo tempo enaltecer como construção aceita e reforçar como clichê.

“Não é só uma questão de estética. Essa é uma imagem que fala da relação entre negros e brancos, entre escultura e fotografia. Tudo vai além da simples beleza”, diz a francesa Emmanuelle de l’Ecotais, que organizou a mostra. “O que ele fez em Paris ele nunca poderia ter feito em Nova York. Era muito importante para ele inverter o sentido das coisas.”

Era o espírito da época. Man Ray decidiu trocar Manhattan por Montparnas­se em grande parte por causa da amizade com Marcel Duchamp — foi ele quem travestiu o artista francês para criar seu alter ego feminino Rrose Sélavy e também emprestou sua estratégia de deslocar objetos do cotidiano para os espaços imaculados da arte, os famosos e bizarros ready-mades.

“Quando decidiu sair de Nova York, Man Ray dizia que não tinha sobrado ninguém lá”, lembra L’Ecotais. “Ninguém entendia o que eles faziam.”

Em Paris, como deixam ver os retratos na exposição, o quadro era outro. Man Ray passou seus primeiros anos na cidade fotografan­do seus artistas mais importante­s, ganhando uns trocados também para registrar suas obras. Lá estão Picasso, Alberto Giacometti, Georges Braque, Juan Gris, Jean Cocteau, Tristan Tzara, a escritora Gertrude Stein, o arquiteto Le Corbusier, entre outros intelectua­is.

Também lançou um olhar incansável em direção às mulheres. Além de suas musas Kiki, Lee Miller e Meret Oppenheim, Man Ray retratou a artista Dora Maar, amante de Picasso, num dos flagras mais marcantes da mostra, seu rosto emoldurado pelos braços.

Outras alas da exposição exacerbam essa visão da mulher na obra de Man Ray. Uma é dedicada a seu trabalho em editoriais de moda, onde damas da alta sociedade parisiense desfilam seus looks ao lado de manequins de plástico em poses surreais. Outra tem seus famosos nus, em que o corpo feminino se transforma em esculturas radiantes —pernas, braços, lábios, seios e olhos.

“Ele testemunho­u a emancipaçã­o da mulher”, diz L’Ecotais. “Essas imagens foram criadas para idealizar a beleza feminina, que ele adorava.”

Man Ray

CCBB - r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651. Seg. e qua. a dom., 9h às 21h. Até 28/10. Grátis

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‘As Lágrimas’, fotografia de Man Ray realizada em 1931, um dos trabalhos da retrospect­iva do artista no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo
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Fotos Divulgação Detalhe de fotografia sem título de Man Ray realizada em 1931, quando o artista já vivia em Paris
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‘O Violino de Ingres’ (1924), foto do surrealist­a americano

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