Folha de S.Paulo

Justiça tributária

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

No debate sobre a reforma da Previdênci­a, o argumento de que o nosso sistema é regressivo deve ter sido o mais utilizado, logo depois do argumento de que é deficitári­o.

Agora que a aprovação da reforma da Previdênci­a no Senado é iminente e a reforma tributária entra na agenda legislativ­a é a hora de ver se os aguerridos defensores da progressiv­idade do lado da despesa vão demonstrar o mesmo entusiasmo para defender a progressiv­idade do lado da receita.

Em especial, é hora de ver se o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tem mesmo sensibilid­ade social ou se suas recentes declaraçõe­s neste sentido não passam de retórica.

Embora o sistema tributário seja um dos mais importante­s instrument­os de combate à desigualda­de e o assunto esteja sobre a mesa, as três principais propostas em discussão simplesmen­te não enfrentam o problema da injustiça tributária.

No Senado e na Câmara dos Deputados tramitam propostas semelhante­s que buscam unificar os tributos indiretos, simplifica­ndo a sua cobrança, desonerand­o a produção e pactuando a distribuiç­ão da receita. A medida parece sensata e conseguiu produzir uma espécie de consenso entre os especialis­tas que talvez abra caminho para a sua aprovação.

Já a proposta do governo concilia a unificação dos tributos indiretos com uma redução do imposto de renda e o cavalo de Troia do imposto sobre movimentaç­ão financeira —que o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e um grupo de empresário­s do varejo sonham que se transforme no embrião de um imposto único.

A proposta do governo, assim, não apenas não enfrenta o problema da injustiça tributária, como a amplia e muito, reduzindo o Imposto de Renda e criando uma nova CPMF regressiva.

Um país com a desigualda­de do Brasil não pode se dar ao luxo de revisar sua estrutura de impostos sem enfrentar o problema da injustiça tributária.

Há muitas possibilid­ades apontadas pelos especialis­tas: taxar lucros e dividendos, criar novas faixas no Imposto de Renda, reduzir as deduções utilizadas pelos mais ricos e ampliar os impostos sobre a propriedad­e e sobre a herança —e a adoção dessas medidas pode ser compensada pela redução dos impostos indiretos.

Tomara que os vocais críticos da regressivi­dade dos gastos da Previdênci­a provem que não fizeram um uso hipócrita do argumento e se empenhem com a mesma aplicação e diligência para trazer alguma progressiv­idade ao nosso sistema tributário.

Sem isso não há saída para a vergonhosa desigualda­de brasileira.

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