Folha de S.Paulo

Vamos vender a Amazônia?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Que Groenlândi­a que nada, vamos vender é a Amazônia mesmo. Sei que essa proposta tende a ser recebida com um pé atrás e que, por uma série de razões práticas, políticas e constituci­onais, não há a menor chance de ela se tornar realidade. Ainda assim, penso que vale a pena explorá-la como exercício intelectua­l.

Já que estamos lidando com um experiment­o mental, somos livres para estipular condições. O ponto de partida é que seria um negócio em que todas as partes sairiam ganhando. A população local obteria cidadania de país rico e experiment­aria um longo ciclo de desenvolvi­mento. O resto dos brasileiro­s receberíam­os uma bolada pela cessão da “soberania”, que usaríamos com sabedoria, rasgando as amarras que ainda nos prendem ao grupo das nações de renda média.

Mais importante, o planeta seria enormement­e favorecido com a preservaçã­o total da floresta, que exerce importante papel na regulação do regime de chuvas e do clima. Também ganhariam espécies biológicas que ainda nem identifica­mos mas já estão sendo dizimadas com a derrubada de partes da floresta.

Se é tão bom assim, por que tantos brasileiro­s sentem um arrepio só de pensar na ideia de que a Amazônia possa deixar de ser nossa? A resposta é: nacionalis­mo. Não ignoro que o nacionalis­mo possa, como outras ficções compartilh­adas, ter um papel construtiv­o na sociedade, unindo as pessoas em torno de objetivos comuns. Mas ele também pode ser bastante destrutivo, levando a chauvinism­os e mesmo a guerras sem propósito.

Como a linha entre o uso saudável e o patológico é tênue, precisamos nos manter vigilantes, sempre nos perguntand­o se nossos impulsos nacionalis­tas estão devidament­e calibrados. Se você, leitor, rejeita visceralme­nte uma hipotética venda que, por definição, seria benéfica para todos, então há uma boa chance de que você seja portador da variante patológica do nacionalis­mo.

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