Alegres loucos ou frios sádicos
Quando William Faulkner esteve no Brasil, durante o Congresso Internacional de Escritores, realizado em São Paulo, em agosto de 1954, um intelectual nativo não deixou mais ninguém sentarse à mesa com o Prêmio Nobel americano —queria Faulkner inteirinho só para ele. O que o autor de “O Som e a Fúria” achou da temporada sob a garoa não se sabe, pois dizem que ele, algumas doses de uísque acima da humanidade, pensou o tempo todo que estivesse em Chicago.
Outro Nobel de Literatura, o francês Albert Camus, opinou sóbrio sobre sua visita ao país. Os patriotas gostariam que ele só tivesse falado a respeito da água de coco —a qual, incrivelmente, parece que não lhe foi oferecida.
Trechos dos seus diários estão reunidos no livro “Camus, o Viajante” (Record), que acaba de ser lançado para lembrar os 70 anos da viagem ao Rio, Recife, Olinda, Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Como em quase tudo que Camus escreveu, sobressaem a estrutura clássica e o estilo transparente da tradição francesa, utilizados como elemento de suas preocupações sociais.
São impressões apressadas, mas devastadoras: “Os motoristas brasileiros ou são alegres loucos ou frios sádicos. A confusão e a anarquia deste trânsito só são compensadas por uma lei: chegar primeiro, custe o que custar”. Imagine se ele soubesse que, no futuro, um presidente mandaria retirar radares das estradas.
Doente e deprimido, Camus não se deixou contaminar pelo espírito da zoeira tropical. Ainda na travessia de navio, pensou em suicídio duas vezes. Curtiu as conversas com Manuel Bandeira e Murilo Mendes. Detestou Augusto Frederico Schmidt. E se impressionou com a música de Caymmi (que ele grafa “Kaïmi”).
No Rio, pediu que o levassem ao futebol. Se tivesse sido atendido, ao menos poderia ter visto Ipojucan no Vasco, Carlyle no Fluminense, Zizinho no Flamengo ou Nilton Santos no Botafogo.