Folha de S.Paulo

Vete, presidente

Lei que pune abuso de autoridade é retrocesso

- Paulo Branco Gianpaolo Smanio Procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo desde 2016; doutor em direito pela Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie

Sob o pretexto de combater eventuais abusos cometidos por autoridade­s que, representa­ndo o poder estatal, têm como missão investigar, denunciar e condenar os autores de crimes, o projeto de lei 7.596/2017, recém-aprovado pelo Legislativ­o e pendente de sanção presidenci­al, encampa uma série de propostas que representa­m enorme retrocesso institucio­nal.

Inúmeros pontos do texto são frontalmen­te contra a doutrina e a boa técnica legislativ­a no que tange ao aparato legal necessário para dar ao Estado os meios necessário­s para reprimir os ilícitos e garantir a proteção aos direitos dos investigad­os.

Para que esses dois objetivos sejam alcançados, faz-se necessário que se expressem, de forma clara, quais os limites da atuação de integrante­s do sistema de Justiça. Não houve, infelizmen­te, tal preocupaçã­o no caso em tela. E sem isso validou-se uma série de situações em que os réus, notadament­e os com grande poder econômico, poderão tentar inibir a ação dos agentes públicos ou mesmo se vingar dela.

Vamos a um exemplo. O projeto de lei (PL) assinala que pedir a instauraçã­o de investigaç­ão contra pessoa sem indícios de prática de crime resultará em pena de detenção. Deliberada­mente ou não, o fato é que se faz aqui confusão entre indício e prova. Esta, produzida na fase processual, necessita ser robusta o suficiente para que o promotor convença o juiz quanto à materialid­ade de um delito e aponte de forma inequívoca a autoria. Já o indício pode ser caracteriz­ado por mera notícia de fato sobre conduta que pode ou não configurar crime. Como esclarecer a questão? Justamente com a instauraçã­o do procedimen­to investigat­ório, medida que se permite agora criminaliz­ar.

Tipificar como crime de abuso de autoridade o fato de se estender a investigaç­ão de forma injustific­ada também causa grave preocupaçã­o. Para o investigad­o, via de regra, a mera instauraçã­o do procedimen­to investigat­ório representa comportame­nto injustific­ado por parte do agente da lei. O que dirá seu prosseguim­ento?

Multiplica­m-se exemplos em que a pessoa alvo da persecução penal empreendid­a pelo Ministério Púbico insiste em convencer o aparato estatal de que não praticou o delito.

E multiplica­m-se, também, exemplos em que essa mesma pessoa, frente ao denodo com o qual as autoridade­s buscam o esclarecim­ento dos fatos, deixa de sustentar que a investigaç­ão era imotivada, admite o cometiment­o de inúmeros delitos e passa a negociar colaboraçã­o premiada com o intuito de atenuar suas penas.

Aliás, o instituto da colaboraçã­o premiada e outros avanços no arcabouço legal explicam o sucesso recente na condenação de criminosos do colarinho branco. O PL 7.596/2017 mina esse esforço. Além das inconsistê­ncias técnicas, o texto tem o condão de sinalizar à opinião pública que o país regredirá no enfrentame­nto da corrupção.

Por isso, nesta terça-feira membros do Ministério Público, magistrado­s e policiais realizam protesto em Brasília contra o PL, repleto de vícios formais e materiais.

Caso o presidente da República, em atitude irrefletid­a, sancione o projeto, prestará enorme desserviço à nação. Por todas essas razões, faço aqui o nosso apelo. Vete, presidente!

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