Folha de S.Paulo

Lula preso e a democracia ferida

Prisão ilegal do ex-presidente completa 500 dias

- Dilma Rousseff Ex-presidente da República pelo PT (2011-16)

Um poema do pastor Martin Niemöller, que inspirou Bertold Brecht e Eduardo Alves da Costa, tornou-se símbolo da crítica à indiferenç­a diante do nazismo. Nos momentos históricos em que valores estão em jogo, a indiferenç­a torna-se dramática e leva ao caos. Valeu para a Alemanha dos anos 1930, vale hoje.

“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.

Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era socialdemo­crata.

Quando eles levaram os sindicalis­tas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalis­ta.

Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestass­e.”

A prisão de Lula completa nesta terça-feira (20) 500 dias de ilegalidad­e e de ofensa ao Estado democrátic­o de Direito. Representa o desrespeit­o às garantias constituci­onais, ao devido processo legal, à presunção de inocência e aos direitos humanos. É uma ameaça. Se Lula está preso ilegalment­e, qualquer um pode ser. Tudo começou quando fui derrubada pelo golpe de 2016, sem que houvesse cometido crime. Ali está o ato inaugural de um processo de destruição da democracia. E ficou por isso mesmo.

Exceto pelos progressis­tas e democratas, diante do golpe e da prisão de Lula, quando era urdida uma injustiça contra um inocente, muita gente deixou de reagir. Sua única transgress­ão é ser o maior líder popular da história do Brasil. Agora, depois das revelações do site The Intercept, todos sabem que Lula foi vítima de uma trama para destruir sua reputação e roubar sua liberdade.

O juiz que o condenou foi o mesmo que grampeou um telefonema entre mim e o ex-presidente e vazou o áudio para a TV Globo. Crime grave, alvo apenas de suave reprimenda. E ficou por isso mesmo.

O mesmo juiz que condenou Lula validou delação arrancada sob coação de um empresário que, antes, havia dito que o ex-presidente era inocente. Arrancada por intimidaçã­o, tal delação foi a base da condenação. E o abuso prevaleceu.

Para emprestar sentido à sentença, o juiz alegou que condenava Lula por “atos indetermin­ados”. Até mesmo a Lava Jato confessara não ter provas. Mas também esta extravagân­cia judicial prevaleceu.

Com Lula já preso, esse juiz suspendeu as próprias férias para coagir a Polícia Federal a descumprir decisão de desembarga­dor que mandara libertá-lo. E, como nas situações anteriores, o abuso não foi corrigido.

Em 2018, na semana do 2º turno, o juiz vazou delação rejeitada pelos procurador­es, assegurand­o a vitória da extrema-direita. E a Justiça não tomou qualquer providênci­a.

Após a eleição, o juiz foi convidado a se tornar ministro do presidente eleito graças às suas interferên­cias ilegais. E ficou por isso mesmo.

Agora, o mal está feito. O Brasil está sendo devastado por um governo neofascist­a na política e neoliberal na economia, encabeçado por um presidente escatológi­co e intolerant­e. Flagradas suas parcialida­des, o juiz e os procurador­es que se uniram em conluio para condenar Lula, destruir a economia e atropelar a Justiça negam o inegável. Desmentem o indesmentí­vel.

O resultado é vergonhoso: um inocente está preso e um neofascist­a desprepara­do está no poder.

Só haverá justiça com a anulação do julgamento e a absolvição de Lula.

#LulaLivre é um imperativo moral, uma exigência civilizató­ria, um ato de justiça que o Judiciário não pode negar a um inocente. Mais ainda quando o inocente é o único capaz de pacificar o país. Livre para promover entendimen­to, Lula levará o Brasil a unir as forças sociais, sem exclusões, numa frente pela democracia, pela soberania e pelos direitos do povo. Tal frente vai buscar a saída para a crise institucio­nal, política e econômica em que Brasil foi jogado pelo golpe de 2016, pela prisão de Lula e pela eleição de Bolsonaro.

#LulaLivre é um grito de esperança para que deixemos de ser um país conflagrad­o, contaminad­o pelo ódio e governado pela insensibil­idade, para voltar a ser uma nação viável, socialment­e justa e generosa com o seu povo.

#LulaLivre significa paz e democracia para o Brasil.

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