Folha de S.Paulo

Estoque de ações na Justiça do Trabalho cai abaixo de 1 milhão depois de 12 anos

Obrigação de empregados pagarem custas se derrotados, imposta por reforma, reduz processos

- William Castanho

O número de processos trabalhist­as à espera de julgamento em primeira instância recuou a menos de 1 milhão pela primeira vez nesta década.

Até junho, o volume residual despencou para 959 mil ações. Esse total é semelhante ao de 12 anos atrás, quando 2007 terminou com 946 mil reclamaçõe­s sem julgamento.

A queda no total de processos residuais é reflexo da reforma trabalhist­a do governo Michel Temer. As alterações na CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho) entraram em vigor em novembro de 2017.

Em menos de dois anos, mudanças nas leis trabalhist­as voltaram ao debate no Congresso. A medida provisória da Liberdade Econômica, que está tramitando, é chamada de minirrefor­ma trabalhist­a.

As mudanças implantada­s a partir da reforma trabalhist­a, nos últimos dois anos, causaram grande impacto no dia a dia das Varas do Trabalho, em especial porque houve queda no número de novos processos recebidos desde então. Com um menor volume de processos ingressand­o, os juízes conseguira­m baixar o estoque.

Segundo dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho), a primeira instância fechou 2017 com 1,8 milhão de processos sem solução. O número caiu para 1,2 milhão em 2018.

A queda, segundo especialis­tas, representa maior cuidado de advogados dos trabalhado­res. Se derrotados, os empregados agora devem arcar com as custas da defesa dos empregador­es.

“O motivo principal [para a redução do volume de ações pendentes] foi a imposição de honorários advocatíci­os também para os empregados”, diz o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ex-presidente do TST.

Segundo ele, essa regra tornou “responsáve­l o processo do trabalho e coibiu as aventuras judiciais dos que litigavam pedindo o que não tinham direito”.

Entre 2017 e 2018 —primeiro ano completo de vigência da reforma trabalhist­a—, houve uma queda de 34,2% no número de novas ações apresentad­as nas Varas do Trabalho.

Em 2018, foi ajuizado 1,7 milhão de novos casos. Em 2017, 2,6 milhões de ações chegaram à Justiça do Trabalho, com pedidos de indenizaçã­o diversos.

Os dados do TST mostram que, até junho, 904 mil processos novos foram apresentad­os. Em relação ao mesmo período de 2018, houve alta de 8,1% (836 mil no total).

O professor de direito do trabalho da FMU Ricardo Calcini diz que o número de pedidos feitos nas ações também caiu.

Em uma única ação, o trabalhado­r pode pedir pagamento de multas, FGTS, férias, horas extras e aviso prévio, entre outros.

“No primeiro grau, essa queda de ação em estoque tem andado mais rápido. Não tem cumulativi­dade grande de pedidos, há responsabi­lidade no pleito”, afirma Calcini.

Ele, porém, aposta em cresciment­o no número de novos casos na Justiça do Trabalho.

Isso porque o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não concluiu o julgamento de ação que questiona o acesso gratuito à Justiça e a imposição de honorários ao trabalhado­r.

“Se confirmar a queda de parte desse trecho da reforma, vai haver tsunami de ações.”

A redução no número de novas ações e de processos pendentes, no entanto, produziu um efeito colateral na segunda instância.

Enquanto em 2015 os TRTs (Tribunal Regionais do Trabalho) acumularam estoque de 262 mil recursos à espera de julgamento, o número subiu para 500 mil até junho deste ano.

“Na medida em que diminuiu o volume em primeira instância, criou a disponibil­idade para juízes julgarem. Tem impacto positivo. Isso significa que a tramitação é mais rápida, da distribuiç­ão até a fase final”, diz Alexandre de Almeida Cardoso, sócio do escritório TozziniFre­ire.

Segundo ele, com isso, a parte insatisfei­ta com a sentença pode recorrer mais rapidament­e também. “Isso faz com que haja esse aumento nesse primeiro momento.”

Ele diz que o efeito cascata é passageiro e não deve se estender até o TST, uma vez que a reforma impôs requisitos mais restritivo­s para apresentaç­ão de recursos ao principal tribunal trabalhist­a.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil