Sociedade tem que ser alfabetizada contra as fake news, diz pesquisador
Para especialista colombiano, políticos se beneficiam com falta de preparo para lidar com informações
Discursos de ódio, boatos, fake news, golpes, corrupção, julgamentos equivocados, fraudes e manipulação em processos eleitorais. Esses são alguns dos prejuízos enfrentados por países em que a população não está preparada para se relacionar com a mídia de forma crítica. Dessa incapacidade, beneficiam-se políticos, e os governos pouco investem em políticas nacionais para alfabetizar a população para a tecnologia.
O colombiano Tomás Durán Becerra, pesquisador em estudos para a União Europeia sobre educação midiática, abordou esse tema nesta segunda (19) no 3º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, no colégio Rio Branco, em Higienópolis (região central de São Paulo).
Diretor de pesquisa da Universidade CUN (Corporação Unificada Nacional de Educação Superior) da Colômbia, ele é membro associado da rede da Unesco para o desenvolvimento global em alfabetização para a mídia, a informação e o diálogo intercultural, a Milid (na sigla em inglês).
Ele afirma que há ainda uma compreensão equivocada de que alfabetizar para a mídia é equipar escolas com computadores e ensinar os alunos a manuseá-los tecnicamente.
O que é media literacy ou alfabetizaçãoparaamídia?
O conceito tem sido desenvolvido por pesquisadores, governos e outras instituições. A ideia é promover e aprimorar o senso crítico dos cidadãos, o conhecimento da mídia, do universo de informações, a compreensão crítica de mensagens e notícias, com vistas a empoderar a sociedade.
A alfabetização para a mídia busca conceder acesso a ferramentas e conhecimentos gerais sobre o alcance e as oportunidades que a tecnologia representa. Isso inclui gerar habilidades técnicas, pensamento crítico, poder de análise, de solucionar problemas, e então desenvolver a capacidade de lidar com todo tipo de informação, com a mídia e com produtos culturais.
A ideia de uma educação para a mídia não é nova, e alguns
anos atrás era chamada de educomunicação. O que há de diferente agora?
Consideramos que seja uma evolução do conceito da educomunicação, como um esforço para fortalecer a educação para a mídia e para a informação. O advento da tecnologia da informação e da comunicação, das redes sociais, dos aplicativos tem reforçado a necessidade de se empoderar as pessoas e ensiná-las sobre a importância de saber como se relacionar com tudo isso.
Não falamos agora apenas dos modos mais tradicionais de informação e da comunicação. Hoje em dia, alfabetização para a mídia tem a ver com a quantidade de dados que os aplicativos reúnem (localização, contatos, fotos), com a proteção desses dados, privacidade, entre outros temas.
É um direito estendido ao da alfabetização, que concede acesso ao debate democrático.
Quais são as consequências para a sociedade da falta da alfabetização para a mídia?
Há muitas consequências, como a intensificação de discursos de ódio, boatos, manipulação, falhas de comunicação, golpes, fraudes e o risco de julgamentos equivocados.
Afeta a população de várias maneiras em relação a direitos, informações e dados. Aumenta a chance de um desempenho ruim na escola, o que diminui as oportunidades de se obter um alto nível na educação. Resulta na probabilidade de se manter estruturas hegemônicas, a partir da ausência de um olhar crítico e então em má escolhas nos processos eleitorais. Favorece a corrupção e a desinformação.
Como trabalhar com alfabetização para a mídia com adultos?
Esse processo tem que ser visto como o de um aprendizado para toda a vida. Políticos, entre outros, tiram vantagens do baixo nível de alfabetização para a mídia.
Políticas nacionais têm que criar estratégias para acabar com a exclusão digital e aumentar as competências para a mídia entre a população vulnerável. Cursos, treinamento em geral e para professores, campanhas online e na TV, políticas transparentes, proteção de dados e segurança digital são ações que deveriam ser adotadas pelos governos e pela indústria.
Em quais países a alfabetização para a mídia está mais desenvolvida?
Está mais disseminada na América do Norte e na Europa. Também tem sido importante, não ainda no nível do desenvolvimento de políticas, mas com ótimos resultados em comunidades e escolas, no Brasil, México, Uruguai e Chile. A Colômbia também tem feito esforços nessa área.
Infelizmente, os governos da América Latina têm visto a alfabetização para a mídia em sua conexão com as habilidades digitais, o que em alguns países resultou em políticas de aumento do acesso à tecnologia e às competências técnicas. Compreender criticamente a informação e a mídia não está no centro dessas políticas.
Como pensar em alfabetização para a mídia em países cujas escolas estão sendo pressionadas para evitar debates políticos e ideológicos, como no Brasil?
Alfabetização para a mídia não tem ideologia.
A melhor forma de promover isso nas escolas é desenvolvendo parcerias com agentes de mídia, ONGs e outras organizações civis, estudando a estrutura da mídia, os tipos de informação e as diferentes formas como alguns atores fazem para distribuí-la.
Estratégias pedagógicas são importantes, como duvidar de informações, decompondo-as, estudando suas fontes. Os professores têm que estar comprometidos com o uso de diferentes fontes e criar essa cultura entre os estudantes.
Deve-se criar uma consciência sobre a necessidade de se incluir nos currículos o desenvolvimento das competências para a mídia. Associações, cidadãos, escolas, universidades têm de pressionar para que esse debate ocorra e que se estabeleça uma política nacional.
Os professores estão preparados para ajudar os estudantes na alfabetização para a mídia?
Eles nem sempre são treinados. As políticas nacionais normalmente se concentram em desenvolver habilidades técnicas.
Entre 2017 e 2018, fizemos pesquisas na Universidade CUN, em Bogotá, com mais de 500 professores. Percebemos que eles têm competências para a mídia e a informação, mas nem sabiam que as tinham, então não as utilizam. São capazes de identificar riscos, tendências, duvidar de informações e de reconhecer fontes. Mas, como a alfabetização para a mídia não é tão conhecida, essas habilidades não são desenvolvidas.
Concentram-se mais em habilidades técnicas, como programação, do que na aptidão para interpretar as informações. Em geral, os professores têm competências para ajudar os estudantes a desenvolver a alfabetização para a mídia, mas eles precisam de orientação, principalmente para reconhecer a importância do tema e o fato de que são capazes de trabalhar com ele.
Há uma idade ideal para começar a desenvolver a alfabetização para a mídia?
As crianças estão expostas à mídia, à informação e a diferentes debates. Redes sociais e smartphones estão generalizados. A educação para a mídia deve começar logo.
É um processo longo, mas a conscientização sobre privacidade, alcance e implicações das ações no meio digital devem ser explicados desde que são pequenos. Cyberbullying e conteúdos sexuais são bons exemplos de por que a tecnologia, as redes sociais, as plataformas de comunicação devem ser estudadas desde cedo.
Quais são as principais ferramentas para se trabalhar com a alfabetização para a mídias nas escolas?
As melhores ferramentas são as mídias. Ler a imprensa, analisar notícias, fazer jogos em que alunos representem diferentes papéis para explorar negociações, estruturas de poder, busca por informações.
A Unesco tem um guia para professores com boas práticas. As tecnologias devem ser incluídas nas atividades. Não há um único caminho, mas os professores, para chegarem às boas experiências, devem ampliar seus conhecimentos e perceber a importância da alfabetização para a mídia.
Crianças e adolescentes estão enfrentando prejuízos do uso excessivo de tecnologia. Como equilibrar essa realidade com a necessidade de alfabetizá-los para a mídia?
É difícil medir o uso excessivo de tecnologia. Está inserida nas atividades diárias, mudou a forma como aprendemos, lemos, trabalhamos, compramos, nos comunicamos.
Temos que ensinar sobre a tecnologia, sobre a oportunidade que ela nos dá e também nos concentrar nos riscos, problemas e desafios que ela nos impõe. Precisamos ensinar a conviver com ela em vez de brigar contra o seu uso.