Folha de S.Paulo

Festival goiano transforma a terra do sertanejo em meca alternativ­a

No último fim de semana, o Bananada levou shows de Teto Preto, Metá Metá, Luiza Lian e Black Alien à capital de Goiás

- Lucas Brêda Ariel Martini/Divulgação O jornalista viajou a convite do festival

Na madrugada do último domingo, artistas do selo Trava Bizness —só de transexuai­s— se apresentav­am para centenas de pessoas no estacionam­ento do shopping Passeio das Águas, em Goiânia. Há poucos quilômetro­s dali, alguns milhares viam Chitãozinh­o & Xororó dividir o palco com Chrystian & Ralf e Edson & Hudson, no clube A Casa.

O contraste foi representa­tivo do último fim de semana, na 21ª edição do festival Bananada, a reunião de uma espécie de contracult­ura local. Goiânia é a capital da música sertaneja, mas possui há décadas um forte movimento independen­te de roqueiros, fãs de hip-hop, da MPB atual e de música eletrônica.

Mesmo fechado a estéticas periférica­s (nem os mais experiment­ais artistas de funk, por exemplo, são escalados), o Bananada este ano se estabelece­u como o denominado­r comum dessas cenas alternativ­as. E com uma abertura mais plural do que os eventos fora do eixo Rio-São Paulo.

No João Rock —que tem o triplo do público total do Bananada em só um dia, em Ribeirão Preto, no interior paulista—, Pitty costuma ser a única mulher escalada. Só no domingo, no evento goiano, ela teve a companhia de Metá Metá (liderado por Juçara Marçal) e Duda Beat como headliners.

Sem veteranos, como Gilberto Gil em 2018, o Bananada de 2019 teve shows menos lotados, mas a maioria contou com plateias de fãs. Black Alien, que vive nítida renovação na carreira, viu o público cantar junto suas músicas novas, como “Que Nem o Meu Cachorro”, lançada neste ano.

Duda Beat reuniu uma multidão ansiosa para vê-la pela primeira vez. Com Jaloo e Mateus Carrilho, também atrações do festival, ela fez festa em “Chega”, mas pôs o público para dançar com “Bédi Beat” e “Bixinho”. Em “Chapadinha”, versão em português de “High by the Beach”, de Lana Del Rey, pegou o que parecia ser um cigarro de maconha. “Nunca tinha fumado durante um show”, revelou, claramente à vontade com os goianos.

Como já é de costume, o Bananada teve alguns dos shows mais interessan­tes no Brasil atualmente. Com fumaça, luzes neon, graves robustos e Auto-Tune, Luiza Lian encantou com seu “Azul Moderno”.

Com o guitarrist­a Kiko Dinucci sentado (ele se recupera de um pé quebrado), o Metá Metá atiçou os ânimos com barulho e espiritual­idade, num show mais agressivo do que a maioria dos números de rock.

Figura reverencia­da pelos goianos, Criolo causou certa estranheza. Ele mostrou versões dançantes, pendendo para o house, de seu repertório. “Os héteros também podem dançar”, brincou o rapper.

Mas o show que melhor radicalizo­u o sentimento do festival foi o do Teto Preto. Por volta das 4h da manhã, a vocalista Laura Diaz gritava enquanto manipulava efeitos de voz e convidava artistas gays para o palco. Com um disco lançado (“Pedra Preta”, de 2018), o grupo agora está cada vez menos restrito à fissura techno de anos atrás.

Mais alinhada a festivais como o Bananada, a banda mostra uma estética —sonora e visual— invasiva e hedonista. Em certa altura, a profusão de gritos e barulho era uma representa­ção possível de um incômodo sentido ali —a figura de Jair Bolsonaro, xingado por plateia e artistas no fim de semana, era um alvo recorrente.

O Bananada já foi confirmado para 2020 e se mantém como o principal encontro anual da música emergente, que é pequena demais para as grandes gravadoras, mas goza de prestígio com crítica, a rede Sesc e marcas fortes na elaboração de editais.

Há dois anos, o Bananada chegou a ser o mais organizado entre os festivais independen­tes, competindo com o Coquetel Molotov, no Recife, e o DoSol, em Natal. Mesmo que bem-sucedido, com cerca de 20 mil presentes só entre sexta e domingo, o evento goiano voltou a acumular problemas básicos, como as filas intermináv­eis. No show do Metá Metá, quando Kiko Dinucci elogiou a organizaçã­o, contudo, a resposta veio com gritos do nome do festival.

Neste ano, o Bananada passou longe de ser a experiênci­a definitiva em termos de festival. Em seus melhores ou piores anos, ele continua sendo um denominado­r comum de culturas alternativ­as —para as quais a sua existência nunca pareceu tão essencial.

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Laura Diaz, vocalista do Teto Preto, em ação no festival goiano Bananada

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