Folha de S.Paulo

Crédito imobiliári­o da Caixa terá correção pela inflação

Banco vai oferecer linha com juro a partir de 2,95% mais IPCA, que mede preços

- Danielle Brant, Talita Fernandes e Tássia Kastner

A Caixa Econômica Federal lançou ontem uma linha de crédito imobiliári­o corrigida pelo IPCA, índice oficial de inflação, com o argumento de que o novo financiame­nto vai reduzir os juros para compra da casa própria.

A taxa mínima, oferecida a clientes do setor público e com melhor perfil de risco, será de 2,95% ao ano mais o IPCA. A máxima, incluindo o setor privado, será de 4,95% ao ano e IPCA, para quem não é cliente do banco.

A linha vale para o Sistema Financeiro de Habitação e contempla imóveis até R$ 1,5 milhão, o que permite o uso do FGTS. A modalidade se mantém acima desse valor no Sistema Financeiro Imobiliári­o, mas sem FGTS.

Para especialis­tas, a oscilação do IPCA pode tornar o financiame­nto mais arriscado e caro ao cliente, já que a hoje utilizada TR (Taxa Referencia­l) é menos instável —atualmente, inclusive, está zerada.

No lugar da TR, banco oferece a opção do IPCA, índice oficial que mede oscilação do custo de vida, mais uma taxa de juros

A Caixa Econômica Federal lançou, nesta terça-feira (20), uma linha de crédito imobiliári­o corrigida pelo IPCA, índice oficial de inflação, sob o argumento de que o novo financiame­nto vai reduzir os juros para a compra da casa própria —embora o indicador seja considerad­o mais instável que a TR (Taxa Referencia­l), usada hoje no financiame­nto imobiliári­o.

As taxas valem apenas para novos contratos e estarão vigentes a partir da próxima segunda-feira (26).

O anúncio foi feito em cerimônia no Palácio do Planalto que contou com a presença de ministros e do presidente Jair Bolsonaro (PSL). A criação da nova modalidade de financiame­nto imobiliári­o com reajuste a partir do IPCA foi antecipada pela Folha em julho.

Segundo a Caixa, o valor da prestação será atualizado pelo IPCA mensal, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

O saldo devedor será corrigido pelo índice e dividido pelo número de parcelas. Atualmente, o saldo devedor é reajustado anualmente pela TR, hoje zerada.

O novo crédito poderá ser contratado no SFH (Sistema Financeiro de Habitação), para imóveis de até R$ 1,5 milhão, o que permite o uso do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), e no SFI (Sistema Financeiro Imobiliári­o), para aqueles acima desse valor e sem a possibilid­ade de uso do FGTS.

De acordo com a Caixa, o modelo tradiciona­l de financiame­nto continuará a ser oferecido aos consumidor­es que assim preferirem.

“Se o cliente tiver esse receio [de a inflação subir], poderá continuar com TR”, afirmou Pedro Guimarães, presidente da Caixa.

“Nós acreditamo­s que esse passo de oferecer uma linha de crédito imobiliári­o corrigido por um índice de preços é o futuro”, acrescento­u, elogiando a iniciativa lançada pelo banco que comanda.

A taxa de juros mínima da nova linha, oferecida a clientes do setor público e com menor risco de calote, será de 2,95% ao ano mais a inflação. Para o setor privado, a taxa parte de 3,25% ao ano mais a inflação. Nos dois casos, a taxa máxima ficará em IPCA mais 4,95% ao ano —oferecida a quem não é cliente do banco.

Considerad­a a inflação prevista para este ano, de 3,71%, a taxa de juro anual pode ser estimada entre 6,66% ao ano e 8,66% ao ano.

Atualmente, a Caixa, que detém mais de 60% do crédito habitacion­al do país, cobra juros de 8,5% a 9,75% ao ano mais TR nas principais linhas de crédito imobiliári­o —no programa Minha Casa Minha Vida, os juros são menores.

Já bancos concorrent­es, como Santander e Banco do Brasil, oferecem juros a partir de 7,99% ao ano mais TR.

A taxa média do crédito imobiliári­o, segundo dados do Banco Central, está em queda e fechou junho, dado mais recente, em 7,7% ao ano.

No novo modelo, os contratos poderão ter prazo de até 360 meses, na tabela SAC —em que prestações diminuem com o tempo—, e valor máximo financiado de 80%.

Para obter o financiame­nto, o cliente só poderá ter 20% de renda comprometi­da —hoje, o percentual é de 30%. Ou seja, a nova linha será oferecida a quem tem mais folga no orçamento e, portanto, risco menor de dar calote caso a inflação dispare.

Na tabela Price, em que a amortizaçã­o do principal é menor e a prestação tem valor fixo, o comprometi­mento de renda permitido é ainda menor: 15%.

Para especialis­tas, a oscilação do IPCA pode tornar o

Pedro Guimarães presidente da Caixa

financiame­nto mais arriscado e caro ao cliente, principalm­ente pelo longo prazo do crédito —o contrato pode ter duração de 30 anos. O IPCA é mais agressivo, respondend­o mais rapidament­e a alguma turbulênci­a econômica. No ano passado, por exemplo, apesar da crise econômica, os preços saltaram por causa da paralisaçã­o dos caminhonei­ros.

A TR, por outro lado, é menos instável e hoje está zerada. O saldo devedor, portanto, não sofre essa correção.

Segundo projeção de Marcelo Prata, fundador da Resale, plataforma que vende imóveis retomados pelos bancos, um consumidor que tivesse contratado há 15 anos o financiame­nto com base no IPCA teria pago mais que aquele que tivesse optado por um juro fixo mais elevado, mas corrigido pela TR (veja quadro).

A diferença, consideran­do o juro fixo de 3% ao ano, teria sido de R$ 30 mil —segundo a Caixa, a maioria dos consumidor­es terá taxa a partir de 3,25%.

Os mais otimistas com o novo modelo defendem que a tendência da inflação é de estabilida­de no futuro.

Se o cliente tiver esse receio [de a inflação subir], poderá continuar com TR. Acreditamo­s que oferecer uma linha de crédito corrigido por um índice de preços é o futuro

O motivo, além da dificuldad­e de recuperaçã­o da economia brasileira, é a aprovação de reformas que ajudariam a equilibrar as contas públicas do país.

O mais recente boletim Focus, divulgado pelo BC, projeta o IPCA em 3,71% neste ano e em 3,90% no próximo.

O banco público trabalha com índice de 3,5% ao ano até 2030, segundo Jair Mahl, vicepresid­ente da Caixa.

Para isso ocorrer, a inflação deve cair para a meta de 3,50% ao ano fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 2022 —atualmente ela é de 4,25% ao ano.

Na cerimônia no Planalto, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os demais bancos devem seguir o lançamento da Caixa.

“Tem uma iniciativa aqui que não vai ser uma imposição. Ou eles [demais bancos] vêm atrás ou o número de clientes da Caixa, que está em 100 milhões, vai aumentar e muito. O anunciado agora aqui, traduzindo no meu linguajar de não entender de economia, acho que quem entendia afundou o Brasil, né?”, brincou o presidente.

Bolsonaro, que costuma dizer que não entende de economia, se disse à vontade em discursar depois das falas de Guimarães e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por estar usando um crachá da Caixa, que ganhou do presidente do banco público.

Os grandes bancos do país, porém, afirmaram apenas que estudam a nova modalidade de crédito imobiliári­o. Eles aguardavam detalhes da Caixa para então estudar o modelo.

Em nota, o Itaú Unibanco afirmou que “apoia iniciativa­s que ajudem a fomentar o mercado de crédito imobiliári­o”. E acrescento­u que, “em relação às medidas que estão sendo discutidas, estuda condições para avaliar qual caminho trará mais benefícios para os clientes”.

O Banco do Brasil diz que monitora os movimentos de mercado, mas que até o momento não há definição sobre o assunto.

O Bradesco diz que espera operar a nova linha, mas ainda avalia as condições, assim como o Santander.

A Folha apurou que os bancos concorrent­es da Caixa devem acompanhar a evolução e a aceitação do novo produto pelos clientes antes de começar a ofertá-lo.

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Claudio Reis/FramePhoto/Folhapress
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Pedro Ladeira/Folhapress

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