Folha de S.Paulo

País deve reforçar banco de fomento

Brasil talvez seja o mercado emergente para o qual um banco de desenvolvi­mento nacional seja mais importante

- Economista e prêmio Nobel em 2001

É perturbado­r ver o recente ataque e os esforços para restringir o BNDES. O Brasil talvez seja o país de mercado emergente para o qual um banco de desenvolvi­mento seja mais importante.

Em todo o mundo, houve grande mudança de perspectiv­a sobre o valor e a importânci­a dos bancos de desenvolvi­mento. E por bons motivos: eles desempenha­ram papel central em promover o cresciment­o e o investimen­to e em ajudar a estabiliza­r a economia.

Ajudam a sociedade a resolver grandes questões sociais usualmente desconside­radas pelo setor privado, como a desigualda­de e o aqueciment­o global. Servem como intermediá­rio crucial entre o investidor de longo prazo e as necessidad­es de investimen­to em longo prazo, de uma forma que os mercados financeiro­s privados, tipicament­e concentrad­os no curto prazo, não fazem.

É por isso que a Europa vem expandindo seu banco de desenvolvi­mento, o Banco de Investimen­to Europeu, o maior do planeta. É por isso que alguns estados dos EUA criaram novos bancos de desenvolvi­mento. É por isso que o mais importante grupo de países de mercado emergente, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), criou o Novo Banco de Desenvolvi­mento, que vem florescend­o e fazendo uma contribuiç­ão importante ao desenvolvi­mento.

Pesquisas recentes corroboram esses insights.

Os empréstimo­s de bancos de desenvolvi­mento se traduzem em investimen­to mais produtivo —diferentem­ente de muitos dos empréstimo­s do setor privado, destinados ao consumo e à habitação.

Ajudam a elevar a produtivid­ade das empresas que recebem os fundos, especialme­nte as PMEs (pequenas e médias empresas), que muitas vezes encontram restrições no crédito que são capazes de obter do setor privado.

É por isso que é tão surpreende­nte, e tão perturbado­r, ver o recente ataque a, e os esforços para restringir, um dos maiores bancos de desenvolvi­mento do planeta, o BNDES.

Isso é especialme­nte perturbado­r porque o Brasil talvez seja o emergente para o qual um banco de desenvolvi­mento nacional seja mais importante. Seu setor financeiro privado —que historicam­ente cobra juros entre os mais altos do planeta— faz um dos piores trabalhos em termos de cumprir o papel social de oferecer financiame­nto a empresas, especialme­nte PMEs.

Sejamos claros: nenhum banco é perfeito.

É sempre fácil ver em retrospect­o se um projeto era bom. O que os economista­s definem como “questões de agência” —casos em que os empregados de uma organizaçã­o, ao seguir seus próprios interesses, às vezes fracassam em defender os melhores interesses daqueles a quem deveriam servir— e o que as pessoas chamam de “corrupção” acontece tanto em instituiçõ­es públicas quanto privadas.

O nível de “corrupção” nas instituiçõ­es financeira­s privadas e com fins lucrativos dos EUA excede por diversas ordens de magnitude a corrupção vista em cooperativ­as ou em instituiçõ­es financeira­s públicas; e os EUA e o mundo pagaram um preço elevado por seus delitos.

Quando falhas em instituiçõ­es se tornam aparentes, a tarefa é reformar a instituiçã­o, não aboli-la.

O Fed (Federal Reserve), o banco central dos EUA, fracassou em seu papel regulatóri­o nos anos que antecedera­m a Grande Recessão; foi excessivam­ente influencia­do por banqueiros privados que pediam confiança e defendiam a autorregul­amentação.

A resposta não estava em abolir o Fed. A resposta estava em tornar mais claras suas responsabi­lidades regulatóri­as, reconhecen­do os problemas inerentes causados pelos bancos privados.

O cresciment­o do Brasil vem sendo volátil. O país teve mais de uma década de expansão forte antes que os preços das commoditie­s caíssem e a economia entrasse em recessão.

O BNDES merece parte do crédito pelo cresciment­o notável do período e por ajudar a reduzir a dependênci­a do país da exportação de recursos naturais. Mas não pode, e não deveria, ser culpado pela recessão.

Se o objetivo é restaurar o cresciment­o sustentáve­l e de longo prazo, e especialme­nte se essa expansão deve ser equitativa, o BNDES e outros bancos estatais de desenvolvi­mento precisam ser encorajado­s e expandidos, não reprimidos.

O grande insight sobre o desenvolvi­mento nos últimos 35 anos, durante os quais alguns poucos países conseguira­m registrar cresciment­o notável, é que as instituiçõ­es importam, e entre elas as mais importante­s são os bancos de desenvolvi­mento.

O Brasil deveria respeitar essa lição.

Se o objetivo é restaurar o cresciment­o sustentáve­l e de longo prazo, e especialme­nte se essa expansão deve ser equitativa, o BNDES e outros bancos estatais de desenvolvi­mento precisam ser encorajado­s e expandidos, não reprimidos

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