Folha de S.Paulo

Auditores se negam a deixar cargos, e relação com Cintra se agrava

Cúpula do órgão desiste de pedir demissão em massa para evitar aparelhame­nto do fisco pelo Planalto; secretário continua no cargo

- Fábio Pupo

Numa ação coordenada de resistênci­a à pressão do governo Jair Bolsonaro, a cúpula da Receita Federal decidiu permanecer nos cargos mesmo com a substituiç­ão do número dois do órgão.

A decisão foi tomada em meio à tensão crescente da equipe com Marcos Cintra, secretário especial da Receita, e à avaliação de que a gestão precisará enfrentar mais desgaste político caso decida continuar com as mudanças.

A saída em massa de seis subsecretá­rios e três coordenado­res gerais chegou a ser articulada como protesto contra as interferên­cias do Palácio do Planalto, mas a avaliação da equipe foi que a medida só atenderia aos interessad­os na ampla substituiç­ão de dirigentes da instituiçã­o.

A pressão de Bolsonaro para a troca de nomes da Receita Federal levou à queda, na segunda-feira (19), de João Paulo Ramos Fachada, subsecretá­rio-geral do órgão e que vinha se posicionan­do contra ingerência­s políticas.

Desde que assumiu a Presidênci­a, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar —incluindo seu filho Flávio, senador pelo PSL e alvo de investigaç­ão do Ministério Público do Rio após relatórios do Coaf (órgão federal de inteligênc­ia financeira).

No caso da Receita, Bolsonaro acusa auditores de perseguir seus parentes, que, segundo ele, sofreram “devassa”.

Com a queda de Fachada, integrante­s da cúpula da instituiçã­o discutiram uma saída conjunta de seus postos em protesto ao que consideram uma tentativa de aparelhame­nto, mas reconsider­aram a estratégia com a justificat­iva de que isso facilitari­a as indicações políticas.

Bolsonaro disse na semana passada que Marcos Cintra, titular da Receita, “por enquanto” continua no cargo.

No órgão, ele tem sido visto como alguém que vem aceitando as ingerência­s para se manter no cargo e ter respaldo do governo para emplacar sua proposta de reforma tributária, que prevê um novo imposto sobre pagamentos (a “nova CPMF”). Procurado, Cintra não comentou.

Além da Receita, Bolsonaro interferiu na semana passada

na Polícia Federal, com a troca da chefia no Rio —provocando uma queda de braço com a cúpula do órgão.

“Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”, afirmou na sexta-feira (16).

No fisco, a escalada de tensões ocorre depois de auditores relatarem pedido de Bolsonaro pela troca no comando do órgão no litoral do Rio.

Na quinta (15), Bolsonaro afirmou que poderia trocar postos em que indivíduos se julgavam “donos do pedaço”.

Com o cargo em risco, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, denunciou a colegas a existência de “forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalizaç­ão” da Receita.

O superinten­dente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, se posicionou contra a substituiç­ão do cargo de Oliveira e também passou a ter sua permanênci­a sob risco.

O novo indicado seria o auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza, com mais de 35 anos de experiênci­a de fiscalizaç­ão em Manaus, mas sem atuação na área de alfândega.

Em meio ao impasse, a Receita informou na segunda (19) a troca de Fachada por José de Assis Ferraz Neto, de Pernambuco. A reação dos auditores nesse caso só não foi maior porque o novo nome foi de agrado dos demais.

O porta-voz da Presidênci­a, general Otávio Rêgo Barros, disse na segunda que o presidente conversou sobre as trocas na Receita com o ministro Paulo Guedes (Economia).

Segundo ele, Bolsonaro “atribui a responsabi­lidade pela condução e gestão das equipes de cada um dos órgãos aos respectivo­s responsáve­is”.

O impasse deve continuar em evidência com uma manifestaç­ão do sindicato dos auditores marcada para esta quarta-feira (21) em Brasília e em delegacias regionais da Receita pelo país.

Além da pressão do Planalto, há uma reação crescente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União) a apurações que em certos casos respingam em autoridade­s.

O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou no começo do mês a suspensão de procedimen­tos investigat­órios instaurado­s na Receita que atingiram integrante­s da corte e outras autoridade­s.

Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidad­e no direcionam­ento das apurações”.

O ministro do TCU Bruno Dantas reclamou em evento na última quinta-feira de uma intimação recebida da Receita para comprovar pagamento a um médico-cirurgião. O ministro ligou a intimação do fisco ao fato de ele estar relatando processo contra pagamento de bônus a auditores.

O sindicato da categoria afirmou que as declaraçõe­s são inadmissív­eis e que atentam contra a honra dos servidores. A Receita vem sofrendo pressões também do Legislativ­o, que criou uma emenda para limitar os trabalhos dos auditores a crimes contra a ordem tributária. Com isso, ficariam de fora da competênci­a crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.

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Marcos Corrêa/Divulgação PR Bolsonaro toca berrante em encontro com Padre Valdivino Borges Junior, nesta terça (20)

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