Folha de S.Paulo

Deltan Dallagnol idealizou monumento para a Lava Jato

Mensagens mostram que, por estratégia de marketing, procurador articulou ‘marco visual’ em Curitiba; Moro se opôs

- Felipe Bächtold, da Folha Paula Bianchi, de The Intercept Brasil Ilustração Ariel Severino

“Precisamos de estratégia­s de marketing. Marketing das reformas necessária­s”, disse o procurador Deltan Dallagnol em grupo de conversa com colegas em maio de 2016.

Dessa necessidad­e, mostram mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e analisadas pela Folha, surgiu a ideia de fazer uma espécie de monumento à Lava Jato e a reformas em Curitiba, escolhido por meio de concurso.

O projeto nunca foi concretiza­do, mas rendeu discussões entre procurador­es, com a chefia do Ministério Público Federal no Paraná e até com o então juiz Sergio Moro.

A colegas, no aplicativo Telegram, Deltan demonstrav­a entusiasmo com o projeto. O plano era realizar um concurso de uma escultura que simbolizas­se a operação e também mudanças defendidas pelos procurador­es, como o projeto das Dez Medidas, que estava em tramitação no Congresso, e a reforma política.

“A minha primeira ideia é esta: Algo como dois pilares derrubados e um de pé, que deveriam sustentar uma base do país que está inclinada, derrubada. O pilar de pé simbolizan­do as instituiçõ­es da justiça. Os dois derrubados simbolizan­do sistema político e sistema de justiça...”

O plano foi levado pelo procurador, que é chefe da força-tarefa, a Moro. Deltan esperava obter apoio para colocar a peça na praça em frente à sede da Justiça Federal, que já virara local de atos em apoio à Lava Jato.

“Isso virará marco na cidade, ponto turístico, pano de fundo de reportagen­s e ajudará todos a lembrar que é preciso ir além... Posso contar com seu apoio?”, questionou.

Moro, via aplicativo, transparec­eu contraried­ade: “Não é melhor esperar acabar?”

Deltan negou que o propósito fosse “endeusar” a operação e insistiu: “Eu apostaria que tão somente a existência do concurso já será matéria de jornal, estimulará o debate sobre reformas, e frisaremos na proposta do concurso das esculturas a necessidad­e de reformas e que elas simbolizem as reformas necessária­s... sabemos que precisamos ir além, como país, e só estou pensando nisso para fazer tudo o que estiver ao meu/nosso alcance.”

A transcriçã­o mantém a grafia original dos arquivos obtidos pelo Intercept.

Segundo o chefe da força-tarefa, “A Paula mesmo adorou e se empolgou”, em referência à procurador­a-chefe no Paraná, Paula Conti Thá. Ele argumentou que o plano não seria da equipe da Lava Jato, mas da Procurador­ia no Paraná com a Justiça Federal.

Depois de pedir um prazo para pensar, Moro deu opinião contrária: “Melhor deixar para depois. Em tempos de crise, o gasto seria questionad­o e poderia a iniciativa toda soar como soberba.”

Para o então juiz, iniciativa­s que soam como homenagens “devem vir de terceiros”.

Deltan disse na conversa por meio do aplicativo que não haveria gastos dos cofres públicos e que o “candidato faria com patrocínio privado”.

Procurado, o Ministério Público Federal no Paraná disse que, em uma força-tarefa, “diversas vezes iniciativa­s são cogitadas por seus integrante­s ou por terceiros, sendo que muitas não se concretiza­m após reflexão e ponderaçõe­s, pelas mais variadas razões”.

O Ministério Público disse ainda que os integrante­s da equipe “têm reiteradam­ente defendido que, para além da Lava Jato, haja reformas nas leis para reduzir a corrupção e a impunidade”.

Os procurador­es, por meio da assessoria, voltaram a afirmar que “não reconhecem as mensagens que lhe têm sido atribuídas”. “O material é oriundo de crime cibernétic­o e sujeito a distorções, manipulaçõ­es e descontext­ualizações.”

Mensagens divulgadas anteriorme­nte pelo Intercept e pelo jornalista Reinaldo Azevedo mostraram o chefe da força-tarefa pedindo, também em 2016, apoio financeiro da Vara Federal comandada por Moro para a produção de um vídeo em apoio às Dez Medidas. Moro, segundo o diálogo, deixou a possibilid­ade em aberto e disse que responderi­a mais adiante.

O vídeo com o roteiro descrito por Deltan de fato foi produzido, mas o Ministério Público afirma que nunca houve direcionam­ento de recursos da Vara Federal para a campanha.

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