Primeiro-ministro culpa Salvini, renuncia, e crise na Itália aumenta
Roma deve passar pela 10ª mudança de governo em duas décadas após queda de Giuseppe Conte
Após mais de dez dias de caos, o governo da Itália foi oficialmente encerrado na tarde desta terça (20), depois de um duro discurso no Parlamento do primeiro-ministro, Giuseppe Conte, que anunciou sua demissão do cargo. A crise, contudo, ainda está longe do fim.
O encerramento prematuro do governo, iniciado há 14 meses, foi provocado por um dos seus integrantes, o vicepremiê e ministro do Interior, Matteo Salvini. Líder da Liga, partido da ultradireita que compunha a aliança com o populista Movimento 5 Estrelas, Salvini detonou a crise no último dia 8, quando apresentou uma moção de desconfiança contra o próprio Conte.
A decisão surpreendeu mesmo um país marcado pela instabilidade. Desde o fim da Segunda Guerra, a Itália já teve 65 governos. Só nos últimos 20 anos, foram nove mudanças.
Ao dar o passo para derrubar o governo, Salvini se dirigiu aos italianos citando uma famosa frase do ditador fascista Benito Mussolini proferida em 1922, quando chegou ao poder: “Peço aos italianos para me dar plenos poderes”.
O objetivo de Salvini é se tornar o próximo primeiroministro da Itália. Se houver eleição até novembro, como deseja o líder da Liga, não parece haver outro adversário capaz de derrotá-lo nas urnas.
No último ano, ele se transformou no político mais popular do país —tem cerca de 36% das intenções de voto. Contudo, a atual crise poderá ser resolvida no Parlamento, no qual seu partido não tem maioria.
Ao discursar ao lado de Salvini, Giuseppe Conte fez duras críticas a ele: “O ministro do Interior age por interesses pessoais e partidários, não se importando com as consequências da decisão, que coloca em risco o país do ponto de vista econômico, político e social”. E ressaltou: “Preocupa que você peça plenos poderes e invoque o poder do povo”.
Como a Itália é um regime parlamentarista, a convocação da próxima eleição ainda depende de uma série de fatores —a sua realização ainda nãoécerta.Adecisãocaberáao presidente da República, Ser
Giuseppe Conte ex-premiê italiano
gio Mattarella, espécie de árbitro que tem funções decorativas e não participa do governo.
Ele aceitou a decisão de Conte e, a partir desta quarta-feira (21), iniciará o processo de consulta aos partidos com representação no Parlamento.
Dessa consulta poderá sair um novo governo entre o Movimento 5 Estrelas (crítico à elite política) e o Partido Democrático (a centro-esquerda tradicional), adversários no passado que teriam maioria para um novo mandato.
Caso o presidente italiano não encontre uma solução até a tarde de quinta-feira (22), o Parlamento então será dissolvido, e novas eleições serão convocadas —três anos e meio antes do programado.
Um dos líderes europeus da direita populista, Salvini tem como referências políticas — citadas por ele recentemente— o russo Vladimir Putin, o americano Donald Trump, o húngaro Viktor Orban e o brasileiro Jair Bolsonaro.
Aos 46, divorciado e pai de dois filhos, Matteo Salvini tornou-se o político mais popular na Itália no último ano graças às suas habilidades de comunicação e a uma poderosa máquina nas redes sociais.
Nascido em Milão, onde iniciou a carreira política como vereador, Salvini chegou a flertar com a esquerda no passado. Tornou-se jornalista, atuando numa rádio da Liga, e não concluiu os cursos de história e ciência política.
Até sua ascensão nacional, teve atuação discreta no Parlamento Europeu e na Câmara dos Deputados, sempre com um discurso xenófobo contra imigrantes e até os italianos do sul –ele já foi flagrado cantando com torcedores do Milan, seu time do coração, uma música ofensiva a napolitanos.
Ele assumiu a liderança da Liga Norte no final de 2013, deixando para trás seu mentor, Roberto Maroni, num momento em que o partido tinha 4% das intenções de voto no país.
Em cinco anos conseguiu realizar grandes mudanças. Tirou o Norte do nome da legenda e a popularizou exatamente no Sul, onde se elegeu senador pela região da Calábria na eleição de março de 2018.
Radical em temas como casamento gay e defesa da família, linha-dura em relação a segurança pública e com uma política anti-imigração, Salvini, já ministro do Interior, levou o governo italiano a fechar seus portos para embarcações que socorrem refugiados no Mediterrâneo.
Mas ele pode ter dado um passo em falso ao provocar o fimdogoverno.“Provavelmenteeleerrounotempoenãocalculou as reações contrárias, mas não sabemos se essas reaçõescontráriasvãoprevalecer”, diz o historiador e cientista político Giovanni Orsina, diretor da Escola de Governo da Luiss.
Se não houver um acordo entre os partidos políticos, o presidente Sergio Mattarella poderá escolher um governo técnico para tratar de temas urgentes, como a aprovação de um orçamento nacional que deverá ser apreciado pela União Europeia até o próximo mês.
Se a decisão for ir às urnas, o partido de Salvini, muito provavelmente, tentará uma aliança com a Força Itália, sigla de direita de Silvio Berlusconi, e os Irmãos da Itália, outro partido da direita radical e anti-imigrantes.
O cientista político Giovanni Orsina afirma acreditar que, numa eventual vitória do líder da Liga, sua comunicação populista não refletirá a agenda do governo, que deverá ser maispróximadaclássicadireita liberal. “A Liga não é um partidoderevolucionários,édegente que tem muito a perder se a Itália sair da União Europeia.”
O ministro do Interior age por interesses pessoais e partidários, não se importando com as consequências da decisão