China defende direito de expressão depois de ser acusada de desinformação
O confronto entre Twitter, Facebook e o governo chinês alcançou novo patamar nesta terça (20), quando Pequim defendeu seu direito de divulgar suas opiniões online — mesmo que as táticas violem as diretrizes das empresas para conter a disseminação de informação enganosa.
A resistência da China, manifestada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Geng Shuang, foi divulgada um dia depois de Twitter e Facebook considerarem o governo chinês responsável pelo que chamaram de “comportamento coordenado e não autêntico” ao moldar a representação online dos protestos políticos que agitam Hong Kong.
Foi a primeira vez que grandes empresas americanas citaram a China como responsável por uma campanha de desinformação, embora pesquisadores afirmem há anos que o governo do país asiático tem operações sofisticadas nas redes sociais destinadas a influenciar o debate público.
Algumas das milhares de contas fechadas pelas empresas tinham perfis que afirmavam ser de outros países, inclusive de diversas cidades dos Estados Unidos, e o Twitter afirmou que ferramentas tecnológicas chamadas VPNs eram usadas para falsificar a localização.
Geng explicou que as contas não são obra de equipes de desinformação do governo, mas de estudantes chineses e outros que vivem no exterior e que “obviamente têm o direito de expressar seu ponto de vista”, segundo a agência de notícias Reuters. Nenhuma das empresas respondeu imediatamente aos pedidos de comentários sobre as declarações de Geng.
Os comentários do funcionário do ministério das Relações Exteriores da China ressaltaram o desafio que as empresas de mídia social enfrentam na tentativa de combater as táticas de desinformação usadas pelos russos nas eleições presidenciais dos EUA em 2016 e que são cada vez mais populares.
Enquanto as empresas sediadas nos EUA tentam policiar o discurso online globalmente, não há consenso internacional sobre o que se qualifica como discurso permissível —ou táticas permissíveis na divulgação desse discurso, seja por agentes do governo ou outra pessoa.
Pesquisadores de desinformação elogiaram Twitter e Facebook na segundafeira (19) por citarem o governo chinês como responsável por campanhas online que retrataram os protestos de Hong Kong como obra de baderneiros violentos, provocados por forças ocidentais como a CIA.
O Twitter fechou quase mil contas que, segundo a empresa, faziam parte da operação, e cerca de 200 mil foram criadas para ajudar no esforço. O Facebook fechou cinco contas, sete páginas e três grupos em sua plataforma, descritos como falsos.
A escala e a sofisticação do esforço não foram particularmente notáveis, mas a decisão das empresas de apontar um governo poderoso como responsável —antes evitado— foi vista como um indicador da crescente assertividade do Vale do Silício.
As empresas têm enfrentado pressão política e pública nos últimos anos para combater os relatos falsos e enganosos que inundaram suas plataformas e distorceram o debate online em todo o mundo.
“Seria uma tarefa difícil alguém denunciar a China em uma operação de influência”, disse Ben Nimmo, chefe de investigações da Graphika, empresa de análise de redes sediada em Nova York.
Os movimentos do Facebook e do Twitter podem criar um grande confronto geopolítico sobre a possível influência dos países nas formas como a informação se espalha pela web.
A China tem desfrutado de um controle praticamente inatacável nas redes sociais dentro de suas fronteiras, empregando sistemas de censura estrita e vigilância contra assuntos que conflitam com as ambições, a imagem e o poder autodeclarados do governo.
Mas a reação das empresas sugere que o país tentou táticas semelhantes de manipulação de informações em todo o mundo, provavelmente para minar os protestos em Hong Kong.
Daniel Sinclair, pesquisador independente de redes sociais em Nova York que acompanha a influência chinesa, diz que as tentativas do país de orientar o debate online no Ocidente parecem ter crescido recentemente, talvez por preocupações sobre como ele está sendo percebido em meio à guerra comercial com os Estados Unidos e a agitação em Hong Kong.
“Esse nacionalismo chinês que está se espalhando pelas redes sociais americanas e ocidentais, em grande parte, não é verdadeira desinformação como a entendemos, mas muito é apoiado por propaganda estatal e notícias falsas”, disse Sinclair.
“Acho que nunca vimos a máquina de mídia deles funcionando nessa escala (...) Com as redes sociais, a China tem novos tipos de influência e novos dedos na mídia ocidental que não tinha antes.”