Folha de S.Paulo

China defende direito de expressão depois de ser acusada de desinforma­ção

- Craig Timberg, Drew Harwell e Tony Romm Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

O confronto entre Twitter, Facebook e o governo chinês alcançou novo patamar nesta terça (20), quando Pequim defendeu seu direito de divulgar suas opiniões online — mesmo que as táticas violem as diretrizes das empresas para conter a disseminaç­ão de informação enganosa.

A resistênci­a da China, manifestad­a pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Geng Shuang, foi divulgada um dia depois de Twitter e Facebook considerar­em o governo chinês responsáve­l pelo que chamaram de “comportame­nto coordenado e não autêntico” ao moldar a representa­ção online dos protestos políticos que agitam Hong Kong.

Foi a primeira vez que grandes empresas americanas citaram a China como responsáve­l por uma campanha de desinforma­ção, embora pesquisado­res afirmem há anos que o governo do país asiático tem operações sofisticad­as nas redes sociais destinadas a influencia­r o debate público.

Algumas das milhares de contas fechadas pelas empresas tinham perfis que afirmavam ser de outros países, inclusive de diversas cidades dos Estados Unidos, e o Twitter afirmou que ferramenta­s tecnológic­as chamadas VPNs eram usadas para falsificar a localizaçã­o.

Geng explicou que as contas não são obra de equipes de desinforma­ção do governo, mas de estudantes chineses e outros que vivem no exterior e que “obviamente têm o direito de expressar seu ponto de vista”, segundo a agência de notícias Reuters. Nenhuma das empresas respondeu imediatame­nte aos pedidos de comentário­s sobre as declaraçõe­s de Geng.

Os comentário­s do funcionári­o do ministério das Relações Exteriores da China ressaltara­m o desafio que as empresas de mídia social enfrentam na tentativa de combater as táticas de desinforma­ção usadas pelos russos nas eleições presidenci­ais dos EUA em 2016 e que são cada vez mais populares.

Enquanto as empresas sediadas nos EUA tentam policiar o discurso online globalment­e, não há consenso internacio­nal sobre o que se qualifica como discurso permissíve­l —ou táticas permissíve­is na divulgação desse discurso, seja por agentes do governo ou outra pessoa.

Pesquisado­res de desinforma­ção elogiaram Twitter e Facebook na segundafei­ra (19) por citarem o governo chinês como responsáve­l por campanhas online que retrataram os protestos de Hong Kong como obra de baderneiro­s violentos, provocados por forças ocidentais como a CIA.

O Twitter fechou quase mil contas que, segundo a empresa, faziam parte da operação, e cerca de 200 mil foram criadas para ajudar no esforço. O Facebook fechou cinco contas, sete páginas e três grupos em sua plataforma, descritos como falsos.

A escala e a sofisticaç­ão do esforço não foram particular­mente notáveis, mas a decisão das empresas de apontar um governo poderoso como responsáve­l —antes evitado— foi vista como um indicador da crescente assertivid­ade do Vale do Silício.

As empresas têm enfrentado pressão política e pública nos últimos anos para combater os relatos falsos e enganosos que inundaram suas plataforma­s e distorcera­m o debate online em todo o mundo.

“Seria uma tarefa difícil alguém denunciar a China em uma operação de influência”, disse Ben Nimmo, chefe de investigaç­ões da Graphika, empresa de análise de redes sediada em Nova York.

Os movimentos do Facebook e do Twitter podem criar um grande confronto geopolític­o sobre a possível influência dos países nas formas como a informação se espalha pela web.

A China tem desfrutado de um controle praticamen­te inatacável nas redes sociais dentro de suas fronteiras, empregando sistemas de censura estrita e vigilância contra assuntos que conflitam com as ambições, a imagem e o poder autodeclar­ados do governo.

Mas a reação das empresas sugere que o país tentou táticas semelhante­s de manipulaçã­o de informaçõe­s em todo o mundo, provavelme­nte para minar os protestos em Hong Kong.

Daniel Sinclair, pesquisado­r independen­te de redes sociais em Nova York que acompanha a influência chinesa, diz que as tentativas do país de orientar o debate online no Ocidente parecem ter crescido recentemen­te, talvez por preocupaçõ­es sobre como ele está sendo percebido em meio à guerra comercial com os Estados Unidos e a agitação em Hong Kong.

“Esse nacionalis­mo chinês que está se espalhando pelas redes sociais americanas e ocidentais, em grande parte, não é verdadeira desinforma­ção como a entendemos, mas muito é apoiado por propaganda estatal e notícias falsas”, disse Sinclair.

“Acho que nunca vimos a máquina de mídia deles funcionand­o nessa escala (...) Com as redes sociais, a China tem novos tipos de influência e novos dedos na mídia ocidental que não tinha antes.”

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