Folha de S.Paulo

A hora do ouro

O metal é o único ativo financeiro que não é passivo de ninguém

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

O ouro é um dos melhores investimen­tos de 2019 até agora. Subiu mais de 30%, ante 10% do Ibovespa, 10% dos títulos do governo indexados à inflação com vencimento em 2026 e 4% do CDI. Boa parte dos fundos multimerca­do com melhor reputação está com rendimento abaixo de 10% até agora.

Por que os investidor­es estão apostando no metal dourado e o que isso comunica sobre sua visão do cenário mundial? Que grandes tendências estão em desdobrame­nto? Por que o Brasil tem exportado e os bancos centrais têm comprado volumes recordes de ouro?

Desde 2008 em especial, os bancos centrais vêm injetando quantidade­s assombrosa­s de dinheiro novo no sistema financeiro, derrubando as taxas de juros ao nível mais baixo dos últimos 5.000 anos. Em vez de gerar inflação de preços, esse dinheiro tem gerado inflação de ativos, de ações a títulos de dívida, cujo preço varia inversamen­te com as taxas de juros.

Os títulos de 30 anos do governo alemão, por exemplo, subiram tanto que suas taxas de juros são negativas, ou seja, o investidor que esperar até o vencimento receberá de volta menos do que investiu!

Ainda assim, há muitos investidor­es que compram títulos com juros negativos, apostando que as taxas de juros cairão ainda mais, o preço subirá e assim venderão com lucro antes do vencimento.

O Brasil tem sido beneficiad­o pelas forças externas e tem agora o nível mais baixo de juros desde a criação do Copom, a despeito da crise e dos enormes déficits fiscais. Em consequênc­ia, os títulos do governo de longa duração têm sido um dos melhores investimen­tos dos últimos anos.

Os EUA são o principal país ainda com taxas positivas, mas talvez não por muito tempo. O Fed baixou os juros pela primeira vez em mais de uma década, e a previsão é que deve baixar mais, com aplausos de Trump.

Ocorre que juros negativos destroem a poupança de aposentado­ria das próximas gerações e pioram as chances de os governos fazerem frente a seus passivos. É uma máquina de transferên­cia de dinheiro de poupadores para devedores. Os poupadores são o público em geral, e os maiores devedores, claro, são os governos.

Isso leva a uma “japonizaçã­o” do mundo, com crescente dependênci­a de juros baixos, mais dívida e mais moeda. Tal fórmula não pode continuar indefinida­mente.

Para piorar, as economias alemã e europeia estão dando sinais de fadiga. Com taxas de juros já tão baixas, o que esperar dos governos desenvolvi­dos?

O perigo é que voltem as heterodoxa­s injeções forçadas de dinheiro, os QE (quantitati­ve easing), e que incorram em déficits fiscais ainda maiores. Os EUA terão déficit médio acima de US$ 1 trilhão anualmente nos próximos dez anos. Ousariam os governos monetizar os crescentes déficits fiscais? Esse é um dos pesadelos que tornam o metal precioso atrativo.

O ouro é considerad­o o ativo mais seguro, em especial em tempos turbulento­s. Afinal, é o único ativo financeiro que não é passivo de ninguém, ou seja, não é devido por contrapart­e alguma.

Adicionalm­ente, há pouco ouro no mundo. A quantidade acima do solo, incluindo joias, lingotes, barras e moedas, equivale a um cubo com aresta de 21 metros, ou um prédio de seis andares. Os 760 kg de ouro roubados recentemen­te em Guarulhos ocupariam menos de 40 litros, ou duas maletas tipo 007.

A principal caracterís­tica do ouro, porém, é que não oferece rendimento. No entanto, os títulos de governos desenvolvi­dos, outro ativo de segurança, têm indicado perda de valor. O ouro reluz em comparação. Em sua qualidade de reserva de valor por excelência, tem lugar cativo em uma carteira de investimen­tos balanceada.

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