Witzel comemora ação e diz que vai questionar STF sobre ‘abate’
Especialista avalia que perfil do sequestrador determina ordem para atirar
Em meio ao aumento da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC) usou o caso do sequestro de ônibus na ponte Rio-Niterói para defender sua política de “abate” de pessoas que portam fuzis.
Ao menos 15 pessoas morreram atingidas por tiros durante ações policiais em agosto, entre eles os jovens Margareth Teixeira, 17, Dyogo Costa, 16, Gabriel Pereira Alves, 18, e Henrico de Menezes Júnior, 20. Nos cinco primeiros meses do ano, a polícia fluminense foi responsável por 28,6% das mortes violentas no estado.
Nesta terça, ao descer do helicóptero na ponte após o fim do sequestro, Witzel fez gestos em comemoração ao supediu cesso da ação policial.
“Se não tivesse sido abatido esse criminoso, muitas vidas não teriam sido poupadas. Se a polícia puder fazer o trabalho dela e abater quem está de fuzil, tantas outras vidas vão ser poupadas”, disse ele.
O governador afirmou que
Wilson Witzel (PSC) governador do Rio, em entrevista
a promoção dos policiais militares que participaram da ocorrência. “Já determinei a promoção dos atiradores por bravura. Foi uma ação que mostra quanto nossa Polícia Militar é preparada para preservar vidas.”
“Muitas vezes, uma parcela da sociedade, partidos de oposição, estão mentirosamente dizendo que polícia está matando favelados. Polícia identifica e mata quem está prejudicando a população, erros são estudados para que não aconteçam mais, foi um caso importante para fazermos nosso registro”, continuou.
O governador também disse que a situação de terror “está acontecendo nas comunidades” e que a polícia deve ter liberdade para matar quem estiver portando fuzil.
Ele afirmou que pretende consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre em que possibilidades os policiais podem matar suspeitos de cometer um crime.
“Há uma dúvida interpretativa de alguns juristas sobre o momento que se pode fazer a neutralização de uma pessoa com uma arma de guerra. [...] Se hoje esse foi abatido, porque os que estão de fuzil não podem ser abatidos?”, disse ele.
O governador reconheceu que a morte do sequestrador pela polícia ocorreu numa situação distinta das operações realizadas em favelas. “São situações diferentes, mas se não houvesse a imediata atuação dos atiradores de elite, teríamos que chorar sobre o caixão de várias vítimas queimadas.”
Witzel disse ainda ver vinculação entre a ação de Willian Augusto da Silva, 20, e facções criminosas que atuam em faro velas, apesar de não haver indícios sobre essa relação.
Sobre a comemoração, o governador afirmou que comemorou a vida e não a morte. “A população que estava ao redor estava celebrando que vidas estavam sendo poupadas.”
O presidente Jair Bolsona
Jair Bolsonaro (PSL) presidente, em rede social
também defendeu a atuação do franco-atirador no caso e afirmou que “não tem que ter pena”.
“Parabéns aos policiais do Rio de Janeiro pela ação bemsucedida que pôs fim ao sequestro do ônibus na ponte Rio-Niterói nesta manhã. Criminoso neutralizado e nenhum refém ferido. Hoje não chora a família de um inocente”, escreveu em rede social.
Mais cedo, em entrevista concedida antes da morte do sequestrador, Bolsonaro lembrou do caso do sequestro do ônibus 174, em 2000, quando a professora Geísa Firmo Gonçalves, 20, foi assassinada pelo sequestrador Sandro Barbosa do Nascimento, 21.
“Não foi usado sniper e morreu uma professora inocente. Depois, esse vagabundo morreu no camburão”, disse.
Se a polícia puder fazer o trabalho dela e abater quem está de fuzil, tantas outras vidas vão ser poupadas
Criminoso neutralizado e nenhum refém ferido. Hoje não chora a família de um inocente
são paulo A ação do atirador de elite da Polícia Militar, que disparou e matou Willian Augusto da Silva, 20, que sequestrava um ônibus na ponte RioNiterói, foi um procedimento tático adequado à situação, diz Paulo Storani, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e especialista em segurança pública.
Storani explica que há uma escala de alternativas táticas em casos do tipo. A primeira e principal aposta é a negociação, que neste caso foi encabeçada por policiais rodoviários e do Bope.
Ao longo de três horas, o sequestrador trocou mantimentos pela liberação de seis reféns: quatro homens e duas mulheres.
Quando a negociação parece não estar levando ao desfecho do sequestro, a segunda opção é a utilização de armamento não letal (que não foi feita) e a terceira é o apelo ao franco-atirador. Essas duas alternativas levam à quarta, que é uma intervenção tática.
Quem dá o sinal verde para que o atirador de elite dispare é o comandante do Bope, que assume o papel de gerente da crise. “A partir daí o policial espera o momento que vai gerar o menor risco para os reféns”, diz o especialista.
Segundo Storani, a decisão não passa pelo governador. “Houve más experiências ocorridas no passado, com intervenções de políticos neutralizando medidas técnicas. Hoje, a corporação se blinda e resiste a tais pressões”, explica.
O caso em questão é o sequestro do ônibus 174, no Jardim Botânico, zona sul do Rio, em 2000. Dez reféns ficaram em poder de Sandro Barbosa do Nascimento, 21, por mais de quatro horas. Ele poderia ter sido morto por um “sniper” quando colocou a cabeça para fora do veículo, mas não houve autorização.
O desfecho foi trágico. Quando estava prestes a se render, já fora do veículo, Sandro viu um soldado da PM se aproximar e disparar. Ele então deu três tiros e matou a refém Geísa Gonçalves, 20. Capturado ileso, o sequestrador foi asfixiado e morto por PMs.
À época, o governador era Anthony Garotinho (então no PDT). Ele ficou todo o tempo em conexão direta com o secretário de Segurança Pública, que mantinha contato com o comandante do Bope, responsável pela operação. Garotinho chegou a se intrometer na negociação.
O porta-voz da PM, coronel Mauro Fliess, rechaçou a hipótese de interferência do governo do estado nesta terça-feira. Ele disse que o gerente da crise teve independência para atuar e que todos os protocolos foram seguidos. A negociação foi difícil, segundo ele, porque o sequestrador ameaçava incendiar o ônibus.
De acordo com Storani, o perfil do sequestrador é o que determina a ordem para disparos. Essa avaliação é feita a partir de perguntas durante a negociação, de atitudes do criminoso e de informações coletadas com reféns liberados.
Após horas de cerco, por volta de 9h, o atirador de elite em cima de um caminhão disparou e fez um sinal de positivo, no momento em que o sequestrador sai do ônibus para se livrar de um objeto. Ele chegou a ser levado para o hospital, mas morreu. Os policiais comemoraram e rezaram um Pai-Nosso.
A pistola que Willian usou no sequestro, segundo a polícia, era falsa, mas ele também tinha uma faca, um “taser” (arma que dá choques elétricos), um galão de gasolina que ameaçou usar para atear fogo no veículo e chegou a jogar um coquetel molotov na direção dos agentes.
Ainda de acordo com a polícia, o sequestrador tinha um perfil psicótico.
Toda negociação tem limite, afirma o ex-comandante do Gate, (Grupo de Ações Táticas Especiais da PM de SP), Diógenes Viegas Dalle Lucca. “Quando o criminoso começa a maltratar reféns, ter atitudes violentas, é preciso adotar atitude mais enérgica. Ali o sujeito estava descontrolado, tinha prendido com braçadeiras algumas pessoas. Se ele provoca um incêndio, vira uma tragédia.”
Em geral, afirma o tenentecoronel Lucca, o “sniper” faz apenas um disparo, certeiro. “Mas às vezes não tem ângulo e ele precisa atirar até eliminar a agressão”, diz.
Para Storani, uma operação concluída com sucesso é “quando todos são salvos, sem nenhum ferido”. Mas, se não for possível, a prioridade é resgatar os reféns. A vida do sequestrador é considerada um efeito colateral.
“O procedimento técnico evitou um mal maior. Foi preciso tirar uma vida para salvar mais de 30 passageiros”, diz ele. “A missão foi cumprida: salvar os reféns.”
Ações do tipo são previstas no Código Penal, como legítima defesa de terceiros. “É excludente de ilicitude, por estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa de terceiros. A polícia tem obrigação de exercer a força letal em nome do Estado”, diz Lucca, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda sim, um inquérito deve ser aberto e os três principais envolvidos na ação devem ser ouvidos —o negociador, o comandante da operação e o atirador de elite. O Bope também deve entregar à Polícia Civil um relatório sobre a negociação. O processo ainda terá perícia técnica, exame cadavérico e depoimento dos sequestrados. Caberá ao Ministério Público decidir se irá fazer denúncia ou não.