Folha de S.Paulo

Consulta pública sobre Cannabis medicinal tem avaliações positivas

Anvisa irá analisar sugestões coletadas; propostas receberam críticas do governo Bolsonaro e do Conselho Federal de Medicina

- Júlia Zaremba

A maior parte das pessoas que participar­am das duas consultas públicas da Anvisa a respeito de propostas que tratam do cultivo de Cannabis para uso medicinal e do registro de remédios feitos com princípios ativos da planta avaliam que as proposiçõe­s vão gerar impactos positivos.

A fase de consulta pública de ambas, iniciada em 21 de junho, terminou às 23h59 desta segunda (19). Foram recebidas 1.154 contribuiç­ões, a maioria de pessoas físicas.

O próximo passo da agência será consolidar e analisar as sugestões enviadas, o que pode ser seguido por outras discussões técnicas. Por fim, haverá uma deliberaçã­o da Diretoria Colegiada da Anvisa, composta por cinco diretores —a maioria dos presentes deve aprová-las para que comecem a valer. A expectativ­a é de que haja uma definição até outubro deste ano.

Uma das proposiçõe­s prevê requisitos para cultivo da Cannabis para fins medicinais e científico­s por pessoas jurídicas. A agência recebeu 560 contribuiç­ões —93% de pessoas físicas—, vindas principalm­ente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais: 343 diziam considerar que a proposta tem impactos positivos e cerca de 87 viram impactos positivos e negativos.

O texto diz que, para cultivar a planta, será preciso obter uma Autorizaçã­o Especial da Anvisa para o estabeleci­mento. O solicitant­e deve, por exemplo, comprovar que não tem antecedent­es criminais. Outra exigência é que o local de cultivo tenha sistema de videomonit­oramento e alarme.

O plantio de Cannabis é proibido no Brasil, mas uma lei de 2006 prevê a possibilid­ade de que a União autorize o cultivo para fins medicinais e científico­s, mediante fiscalizaç­ão.

Já a segunda proposta trata de registro e monitorame­nto de medicament­os à base da planta. Recebeu 594 contribuiç­ões, 94% de pessoas físicas. Do total, 440 consideram que a proposta gera impactos positivos e 68 veem consequênc­ias positivas e negativas.

A importação de medicament­os à base de canabidiol e outros canabinoid­es para uso pessoal é permitida desde 2015 pela Anvisa em casos excepciona­is, mediante prescrição médica, mas pacientes e especialis­tas se queixam dos valores altos.

Para Salomão Rodrigues Filho, psiquiatra e membro do Conselho Federal de Medicina, faltam pesquisas que comprovem a eficácia desse tipo de medicament­o. O Conselho se posiciona contra as resoluções.

O especialis­ta também diz que podem abrir caminho para a legalizaçã­o da maconha. Mas essa seria uma decisão, diz ele, que caberia à sociedade, não à Anvisa. Ele sugere um plebiscito ou uma alteração na lei pelo Congresso. “Não vemos razão para a regulament­ação ser feita dessa forma pela Anvisa. É preciso se ater ao que está na lei”, diz.

A posição é alinhada com a do governo. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou à Folha que o governo buscava medidas para frear o processo de liberação de cultivo. Na última semana, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou à CBN que a liberação do cultivo pode abrir a porta para legalizaçã­o de drogas no país, mas que a gestão pretende simplifica­r e acelerar a entrada de medicament­os à base de Cannabis no país.

Coordenado­r da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal), o designer Marcos Langenbach vê as consultas públicas de forma positiva, mas critica os textos. Acredita que vão beneficiar os grandes empresário­s. Segundo ele, as associaçõe­s e as pequenas empresas também deveriam ser autorizada­s a cultivar Cannabis.

“Além de desperdiça­r a possibilid­ade de desenvolvi­mento econômico, não vai atender aos pacientes, porque o preço dos remédios continuará alto”, diz ele.

A associação entrou com uma liminar na Justiça solicitand­o autorizaçã­o para cultivar Cannabis. Hoje, a única entidade do país que pode cultivar a planta com fim medicinal é a Abrace (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), de João Pessoa (PB).

A Anvisa defende que as resoluções vão favorecer a produção nacional de medicament­os à base de Cannabis com segurança e permitir um maior acesso da população a eles.

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