Folha de S.Paulo

Longe da elite mundial, Série A tem 20% dos técnicos há 1 ano no cargo

Nove de 20 equipes já trocaram de treinadore­s durante a atual edição do Campeonato Brasileiro

- Paulo Vinicius Coelho

O Campeonato Brasileiro parou no dia 13 de junho, para a disputa da Copa América, com um recorde: apenas duas mudanças de treinador em nove rodadas.

Um mês depois de a seleção de Tite comemorar o título continenta­l, já houve mais sete trocas. No dia 5 de agosto, Luiz Felipe Scolari fez aniversári­o no comando do Palmeiras. Naquele dia, a Série A contava com o recorde de seis treinadore­s no mesmo clube há mais de 12 meses: Mano Menezes, Renato Gaúcho, Rogério Ceni, Tiago Nunes, Odair Hellmann e Luiz Felipe. Agora, são quatro.

Mano Menezes pediu demissão na quarta-feira (7), depois de perder para o Internacio­nal pela Copa do Brasil. Rogério Ceni deixou o Fortaleza para assumir seu lugar. Não se trata apenas de clubes sem planejamen­to, porque também há treinadore­s que optam por trocar de emprego.

Independen­temente da culpa, há uma epidemia. Romildo Bolzan é presidente do Grêmio, time que mantém um técnico há mais tempo no futebol brasileiro —desde setembro de 2016: “A manutenção só nos trouxe benefícios. Mas tem a ver com a escolha. Renato tem identidade com o clube e isso traz entendimen­to da torcida”, afirma.

Entre os técnicos, a queixa é de que não há tempo para implementa­r estilo de jogo e de treinos. Em nenhum dos países com as maiores ligas, o ritmo de mudança é tão comum como no Brasil.

“Entendemos que era o momento e não poderíamos estender mais essa fase”, afirmou Mano Menezes ao deixar o Cruzeiro.

A fala do técnico é bem parecida com a de muitos dirigentes ao justificar trocas no comando dos clubes. O prognóstic­o comum é de que chega uma hora em que mudar é a melhor solução.

“[Trocar o técnico] é uma das coisas que atrasa, sim. O clube acha que ao fazer as coisas de qualquer jeito vão ganhar”, afirmou Fernando Diniz, demitido do Fluminense. Nesta terça (20), o time anunciou Oswaldo de Oliveira.

No cargo há 21 meses, Odair Hellmann, do Internacio­nal, é o treinador há mais tempo no comando do clube desde Rubens Minelli, que deixou a equipe em 1977. “Hoje é mais fácil perder um jogador e substituí-lo, porque a equipe conhece muito melhor a maneira de jogar”, diz o atual técnico do time gaúcho.

Em toda a trajetória dos pontos corridos com 20 clubes na elite, só no início de 2009 e no final de 2013 a Série A teve mais técnicos mantidos por um ano do que agora. Há dez temporadas, o Brasileiro começou com Mano Menezes (Corinthian­s), Renê Simões (Coritiba), Adílson Batista (Cruzeiro), Vanderlei Luxemburgo (Palmeiras), Muricy Ramalho (São Paulo).

Muricy foi demitido na sexta rodada, Luxemburgo, na sétima e Renê Simões, na 18ª. Quando o Flamengo festejou o troféu, em dezembro de 2009, só dois dos 20 clubes tinham treinadore­s no cargo há um ano ou mais. O campeão, por exemplo, começou a temporada com Cuca e terminou a competição com Andrade.

No final da temporada 2013, quatro treinadore­s tinham 12 meses no cargo: Cuca (Atlético-MG), Oswaldo de Oliveira (Botafogo), Tite (Corinthian­s), Abel Braga (Fluminense). Marcelo Oliveira foi o campeão e estava havia 11 meses no Cruzeiro.

Dos 16 Brasileiro­s disputados por pontos corridos desde 2003, só quatro vezes o campeão trocou de técnico durante a campanha: Santos (2004), Corinthian­s (2005), Flamengo (2009), Palmeiras (2018).

O contraste com as ligas europeias chama atenção. Na Inglaterra, 13 dos 20 clubes não mudaram de treinador na última temporada. Na Espanha, houve 11 mudanças em 38 rodadas. Mas 12 clubes não trocaram de técnico.

Na Argentina, 11 de 26 participan­tes mantiveram seu comando do início ao fim. Dos 15 que trocaram, três esperaram o final do contrato.

No Brasileiro de 2018, houve 29 mudanças em 38 rodadas. Dos 20 participan­tes, 17 trocaram. Só Grêmio, Internacio­nal e Cruzeiro não mudaram.

Jorge Jesus foi técnico do Benfica por seis anos, entre 2009 e 2015. No mesmo período, ele ganhou três títulos nacionais pelo clube e perdeu outros três. Sua equipe atual, o Flamengo teve 13 técnicos e venceu um Brasileiro.

Questionad­o se acredita que o clube e a torcida do Flamengo podem ter o entendimen­to de que perder é parte do processo de fortalecim­ento de um time, Jesus é direto. “Neste momento, não acredito”.

Em maio, o técnico campeão da Champions League, Jurgen Klopp, comentou a falta de continuida­de dos treinadore­s no Brasil.

“O que eu posso dizer é que o que os clubes brasileiro­s estão fazendo está muito errado. Se você está interessad­o em evolução no futebol, precisa saber que isso leva tempo. Se você não dá tempo aos jogadores, você não consegue nada”, afirmou.

Contratado em 2015 pelo Liverpool, o alemão levou quatro anos para ser campeão. Em maio, comandou o clube inglês no título da Champions.

“A manutenção [de treinador] só nos trouxe benefícios. Mas tem a ver com a escolha. Renato [Gaúcho] tem identidade com o clube e isso traz entendimen­to da torcida Romildo Bolzan presidente do Grêmio

“O que eu posso dizer é que o que os clubes brasileiro­s estão fazendo está muito errado. Se você está interessad­o em evolução no futebol, precisa saber que isso leva tempo. Se você não dá tempo aos jogadores, você não consegue nada Jurgen Klopp técnico do Liverpool

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