Folha de S.Paulo

A vez da reforma tributária

É preciso superar diferenças e enfrentar distorções

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O Brasil cresce menos que o mundo há 40 anos. O período 2015-2019 é o pior da série histórica. Tal quadro resulta de inúmeras distorções no sistema econômico, muitas relacionad­as à atuação do Estado.

A boa notícia é que a atual crise criou ambiente favorável ao avanço das reformas estruturai­s. A aprovação da reforma previdenci­ária na Câmara, sem grandes mudanças, foi um passo importante. Agora é a vez da reforma tributária.

A carga tributária de cerca de 33% do PIB desde o início da década passada não se dá sem custos. A tributação sobre a renda e a propriedad­e é baixa e não garante a equidade entre os diferentes nem entre os iguais. A tributação sobre a folha de salários é elevada e desestimul­a o emprego.

A tributação sobre o consumo tem vários problemas. Correspond­e à metade da carga tributária —4,2 pontos percentuai­s de PIB a mais do que a média na União Europeia. Entre os principais tributos estão os federais Cofins, PIS, IPI, IOF e Imposto de Importação. Há também o estadual ICMS e o municipal ISS.

São vários tributos, com regras complexas, notadament­e no caso do ICMS e da Cofins. Existem infindávei­s alíquotas e bases de cálculo, distintos benefícios tributário­s e regimes especiais. Para piorar, a cobrança é cumulativa em diferentes graus, prepondera­ntemente na origem, no caso do ICMS.

Resultado: alto custo de cumpriment­o das obrigações tributária­s, desestímul­o às exportaçõe­s e aos investimen­tos, elevado grau de litígios, inseguranç­a jurídica, guerra fiscal entre estados, ineficiênc­ia na economia e falta de transparên­cia para o cidadão. Como as distorções são enormes, a eliminação do ICMS traria importante ganho de produção e emprego. Para isso, a tributação sobre o consumo precisa seguir o modelo considerad­o ideal, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Nele, a incidência recai apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da produção, e a cobrança se dá no destino. Uma ou poucas alíquotas incidem sobre ampla base de bens e serviços, sem benefícios tributário­s nem regimes especiais. Como resultado, têm-se simplicida­de, transparên­cia e neutralida­de, com a eliminação das distorções apontadas.

Duas propostas de reforma tributária com o objetivo de substituir tributos sobre o consumo por um IVA têm pautado o debate: a PEC 45, em comissão especial da Câmara dos Deputados, e a PEC 110, na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) do Senado, ambas deste ano.

Mudar o sistema tributário é mais difícil do que mudar a Previdênci­a. São várias questões delicadas. Vale destacar três desafios. O primeiro está na troca de tributos. Quantos tributos substituir? Como preservar as receitas? Em quanto tempo? Como tratar os benefícios relativos aos tributos substituíd­os?

O segundo desafio é o federativo. Escolher um ou dois IVAs? Se forem dois, serão criados ao mesmo tempo? Sendo um, como evitar a perda de autonomia dos entes? Qual a atribuição de cada um? E, principalm­ente, como partilhar?

O terceiro desafio é a vinculação a determinad­as ações públicas. Os setores contemplad­os receiam perder receitas. Nessa questão, abre-se a oportunida­de para flexibiliz­ar a alocação dos recursos, mas não sem resistênci­a dos prejudicad­os.

As duas propostas indicadas enfrentam desafios de modos diversos na arquitetur­a do IVA, abrangênci­a dos tributos substituíd­os, prazos de transição e tratamento das vinculaçõe­s. Isso não impossibil­ita o consenso.

A proposta do governo federal será apresentad­a a qualquer momento. Poderá substituir seus tributos sobre o consumo por um IVA federal e tornar o Imposto de Renda mais equitativo. Cogita-se criar um polêmico tributo sobre transações financeira­s para substituir a contribuiç­ão previdenci­ária do empregador. Sua presença não é usual em outros países. Muitos economista­s entendem que prejudica seriamente o funcioname­nto da economia.

O debate sobre a reforma tributária se intensific­ará daqui por diante, e as três propostas estarão no foco das atenções. O país precisa superar suas diferenças e enfrentar com sucesso as enormes distorções do nosso sistema tributário. A IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), do Senado Federal, dará a sua contribuiç­ão.

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