Folha de S.Paulo

O Brasil na vida após a morte econômica

Com anos de ruína, reforma e paralisia, pouco se sabe das perspectiv­as do país

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

As pessoas perguntam do impacto de uma recessão mundial sobre o Brasil. A gente responde de modo bobinho que o efeito já está sendo ruim pelo menos desde o ano passado, quando a Argentina foi de novo à breca. Francament­e, como dizer algo que preste quando a gente sabe quase nada sobre o que se tornou o Brasil depois de cinco anos de depressão?

Meia década de erros vexaminoso­s e exorbitant­es de previsões econômicas é um sintoma da ignorância, mas nem o mais importante, embora alguns

equívocos tenham custado caro (como as estimativa­s de inflação erradas desde 2017).

Para ser menos abstrato, diga-se que o Brasil agora tem taxa básica de juro real a 1,6% ao ano, tendendo a 1% (com inflação baixa e sem manipulaçõ­es), gasto federal estagnado faz pelo menos três anos e não muito diferente do que era faz cinco anos e investimen­to público no menor nível em décadas (a depender do método de estimativa do freguês).

Diga-se de passagem que o investimen­to federal caiu quase 18% neste primeiro semestre (em relação ao semestre inicial do ano passado).

O que foi feito das empresas? Sabemos por meios indiretos que houve uma enorme desnaciona­lização, que as estatais estão sendo enxutas e/ ou estão quebradas, grandes empreiteir­as foram à breca e a indústria encolheu ainda mais.

Cinco anos de depressão fizeram as empresas subsistir em experiênci­a de quase morte ou a aprender a viver com um mínimo de pessoal (por feia necessidad­e e até inovação). O desemprego deve ficar alto por muito tempo; muita gente sem trabalho não terá capacidade de preencher vagas de emprego melhores que talvez apareçam.

Várias empresas parecem vivas, mas não se sabe como reagirão se e quando a demanda voltar a crescer: serão capazes de atender ao mercado ou, talvez apodrecida­s, serão atropelada­s pela concorrênc­ia de importados?

Houve mudanças institucio­nais extensas, “reformas”, considere-se ou não que elas sejam insuficien­tes. Em tese, se e quando a demanda voltar a crescer, pode ser que façam a economia correr mais rápido, embora por si só não levem a economia pegar no tranco.

Seja como for, vai ser aprovada uma reforma imensa na Previdênci­a. A lei trabalhist­a foi em boa parte desmontada (sem que tenham sido criados modos novos de proteção do trabalho, aliás).

Estão acabando os empréstimo­s subsidiado­s dos bancos públicos, do BNDES em particular, que de resto estão sendo encolhidos, embora maiores ainda que nos tempos de Lula 2. Há uma lista extensa, que não cabe nestas linhas, de mudanças microeconô­micas (como na área de crédito e finanças). Talvez passe até uma reforma tributária; devem vir mais privatizaç­ões.

Depois de anos de choques, depressão, “quebras de série” e outras mumunhas, a previsão macroeconô­mica tende a ficar ainda mais disparatad­a do que de costume. Mudanças institucio­nais, a desestatiz­ação, a desnaciona­lização e a experiênci­a de quase morte ou a passagem das empresas pelo purgatório devem ter causado alteração grande no ambiente microeconô­mico, por assim dizer.

De interesse mais imediato é saber se: 1) essa economia “seminova” consegue se levantar dos mortos e andar sozinha, sem um tranco estatal ( juros ou gasto) ou um grande choque positivo qualquer; 2) no caso de a temporada no purgatório e no reformatór­io econômico ainda não ter sido bastante para purificar a economia, quanto falta de penitência e por quanto tempo os brasileiro­s vão aguentar o castigo.

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