Folha de S.Paulo

Economia segue errática, e apostas vão para 2020

Dados mostram que recuperaçã­o depende do comércio e do serviço e do consumo das famílias

- Alexa Salomão e Eduardo Cucolo

Dados do terceiro trimestre indicam que a economia segue em trajetória errática, sem sinais de retomada consistent­e. Liberação do FGTS, queda de juros e reformas têm se mostrado insuficien­tes para recuperar a confiança. Economista­s já põem as apostas em 2020.

são paulo Os dados sobre a atividade econômica já divulgados para o terceiro trimestre de 2019 mostram que a economia brasileira segue em trajetória errática, sem sinais de retomada consistent­e e ainda dependente do consumo das famílias e dos setores de comércio e serviços.

Nem mesmo a liberação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), a queda dos juros e o andamento das reformas econômicas têm se mostrado suficiente­s para a recuperaçã­o da confiança, dos investimen­tos e do setor industrial. Economista­s têm concentrad­o suas apostas em 2020, ano em que os efeitos do ciclo atual de queda dos juros fariam a economia ganhar ritmo, após três anos de cresciment­o ao redor de 1%.

O histórico das projeções coletadas pelo Banco Central, no entanto, mostra que as estimativa­s feitas com essa antecedênc­ia se frustraram nos últimos anos.

“Com mais estímulo monetário a tendência do PIB [Produto Interno Bruto] é crescer um pouco mais. Quanto? Não se sabe, mas não é muito mais”, afirma o economista Afonso Celso Pastore, da AC Pastore & Associados.

Em relatório recente, AC Pastore destacou os elementos dessa análise. Com a indústria ainda estagnada, o que vem sustentand­o a reto- mada desde o final da recessão é o consumo das famílias.

No entanto, essa expansão do consumo acontece em uma velocidade muito menor do que a verificada em outros períodos —atualmente, ela está abaixo de 2% ao ano e, entre 2006 e 2010, foi da ordem de 6% ao ano.

Uma das razões para isso é a lenta retomada do emprego e da qualidade dos postos gerados. A maior parte é informal, o que reduz a massa salarial e, por tabela, o poder de compra. O emprego formal paga, em média, 25% mais que o emprego por conta própria.

Na avaliação de Pastore, a injeção de recursos do FGTS para o consumo e uma eventual melhora do cenário internacio­nal até podem dar um alívio, mas não serão suficiente­s para mudar o atual ambiente interno, em particular para a indústria.

Dados do Banco Central divulgados nesta segunda-feira (14) e indicadore­s do IBGE e de instituiçõ­es privadas mostram que a atividade econômica voltou a crescer abaixo do patamar de 1,1% verificado em 2017 e 2018.

O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), por exemplo, subiu 0,07% em agosto na comparação com o mês anterior, após recuar 0,07% em julho.

Nos últimos 12 meses, o cresciment­o acumulado é de 0,87%, abaixo do verificado nos três meses anteriores. O indicador da atividade econômica do IBRE/FGV também mostra expansão de 0,9% na mesma comparação.

Entre os dados que fazem parte do índice do BC estão os números do IBGE dos diversos setores da economia.

De acordo com o instituto, a indústria e o comércio mostraram expansão em agosto na comparação com julho. Os serviços tiveram retração. Os três setores registrara­m piora no acumulado em 12 meses.

Na pesquisa Focus, realizada pelo Banco Central junto a vários economista­s, a estimativa de cresciment­o do PIB (Produto Interno Bruto) de 2019 coletada na última sexta-feira (11) era de 0,87%. Para 2020, está em 2%.

Nas pesquisas Focus de 11 de outubro de 2017 e 2018, as projeções de cresciment­o para o ano seguinte (2018 e 2019, respectiva­mente) também mostravam otimismo, ambas com expansão de 2,5%.

“A economia está andando de lado. A taxa [de cresciment­o] não vai diferir muito de 1% em 2019. Talvez a liberação do FGTS nos salve de um cresciment­o menor, mas temos vários elementos contrapond­o esse efeito positivo”, afirma Claudio Considera, pesquisado­r do IBRE/FGV, citando a crise na Argentina, a desacelera­ção europeia e a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos.

Segundo ele, os juros vão continuar caindo, mas ainda é necessária a redução de uma série de incertezas no cenário econômico para que isso possa animar os investimen­tos e contribuir para uma queda mais forte do desemprego.

O economista afirma que o governo, a despeito das restrições fiscais, precisa contribuir para a retomada do investimen­to por meio de estímulos.

“A única saída que resta é ter investimen­to público. Tem de fazer obra. Tem de fazer impulso fiscal. As famílias estão muito endividada­s, e ninguém está muito confiante no que vai acontecer no longo prazo”, afirma Considera.

Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultore­s, afirma que a orientação do governo de tirar o foco do financiame­nto público para o privado vai na direção correta, mas é um processo que tem se mostrado muito lento.

De acordo com Nishida, o ideal seria insistir nas reformas e tentar fazer as concessões e privatizaç­ões andarem mais rápido, além de reorganiza­r o Orçamento, por meio de medidas como as do Pacto Federativo, para que seja possível a retomar o investimen­to público.

“Os números de agosto foram fracos. Tudo indica que setembro vai ser melhor, mas a gente não consegue ver uma recuperaçã­o mais evidente da atividade. Temos um ritmo de alta que é bem irregular se você acompanhar mês a mês”, diz o economista.

A consultori­a projeta cresciment­o de 1% neste ano e 2,3% em 2020, com a taxa básica de juros em 4,5% até o final do próximo ano. Atualmente, está em 5,5% ao ano.

Nishida diz que os juros mais baixos terão impacto na atividade e que a expansão mais expressiva do crédito tende a se acentuar. “No consumo das famílias é que a gente projeta uma alta mais pronunciad­a no ano que vem, enquanto a indústria ainda deve seguir a passos mais lentos, principalm­ente por causa desse cenário internacio­nal mais difícil”, afirma.

A IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), órgão do Senado, divulgou nesta segundafei­ra (14) seu relatório mensal com a expectativ­a de que a economia só alcance novamente seu potencial de cresciment­o em 2022.

“Hoje a economia está muito desaquecid­a, tem ociosidade do lado de capital e no mercado de trabalho. Isso significa que a economia só volta a ficar aquecida para valer em 2022, quando deve crescer 2,2%”, diz o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto.

Ele afirma que, embora a literatura econômica recomende a preservaçã­o do investimen­to público em momentos de ajuste fiscal pelo lado do gasto, não há hoje espaço fiscal. Além disso, vários estudos mostram que o potencial do investimen­to fica prejudicad­o em países com dívida e o déficit elevado.

“Se você tem uma dívida muito alta, e as contas estão desequilib­radas, essa política não vai ser tão efetiva. Esse é um motivo para fazer um ajuste fiscal mais rápido”, afirma o diretor-executivo da IFI.

“A economia está andando de lado. A taxa [de cresciment­o] não vai diferir muito de 1% em 2019. Talvez a liberação do FGTS nos salve de um cresciment­o menor, mas temos vários elementos contrapond­o esse efeito positivo Claudio Considera pesquisado­r do IBRE/FGV

“Tudo indica que setembro vai ser melhor, mas a gente não consegue ver uma recuperaçã­o mais evidente da atividade. Temos um ritmo de alta que é bem irregular Rodrigo Nishida economista da LCA Consultore­s

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