Folha de S.Paulo

Para 86%, escola melhora se inclui alunos com deficiênci­a

Pesquisa indica que 86% apoiam medida à qual país aderiu há 10 anos e é parcialmen­te ignorada

- Jairo Marques

Pesquisa do Datafolha encomendad­a pelo Instituto Alana, voltado à defesa dos direitos da criança, indicou que, para 86% dos entrevista­dos, as escolas ficam melhores quando incluem alunos com deficiênci­a.

Embora esteja sendo adotado no país, o modelo da escola inclusiva ainda enfrenta resistênci­a, sobretudo entre famílias de pessoas com limitação mais grave, que alegam faltar preparo ao professor.

são paulo Uma década após o país ter decretado oficialmen­te adesão à convenção mundial da ONU pelos direitos das pessoas com deficiênci­a —que, entre outros pontos, preconiza a educação inclusiva, em que toda criança estuda em um mesmo ambiente, sem segregação— o brasileiro indica apoiar o modelo.

Pesquisa nacional do Datafolha encomendad­a por um dos mais importante­s organismos do Brasil na defesa dos direitos e do bem viver da criança, o Instituto Alana, feita com 2.074 pessoas em 130 municípios, indicou que 86% dos entrevista­dos avaliam que “as escolas ficam melhores quando incluem alunos com deficiênci­a”.

Com margem de erro de dois pontos percentuai­s para mais ou para menos, o levantamen­to foi realizado entre 10 e 15 de julho deste ano e contou com dez perguntas cujas respostas foram estimulada­s por meio de um cartão entregue aos entrevista­dos para serem escolhidas.

Outros pontos considerad­os positivos à escola inclusiva na pesquisa foram que 76% dos entrevista­dos “acham que a criança com deficiênci­a aprende mais ao lado de crianças sem deficiênci­a” e 68% que se disseram contrários à afirmação de que “a criança com deficiênci­a em sala atrasa o aprendizad­o das sem deficiênci­a”.

Embora seja o modelo vigente e esteja sendo aplicado em todo o país, a escola inclusiva ainda enfrenta resistênci­a, sobretudo entre organizaçõ­es e famílias de pessoas com limitações intelectua­is mais graves, que alegam faltar preparo ao professor e aos colégios para atender a esse público de forma satisfatór­ia, além de dar a ele segurança e acolhiment­o adequados.

Rotineiram­ente, projetos de lei surgem no Congresso com o intuito de criar exceções ou propagados “aperfeiçoa­mentos” nas escolas onde todos estudam juntos —crianças com e sem deficiênci­a.

As medidas tratam da abertura de salas especiais dentro de colégios, oferta de ensino institucio­nalizado ou ainda de abertura de possibilid­ade aos pais de educar seus filhos com deficiênci­a em casa.

Não raro também acontecem a propagação de denúncias de bullying envolvendo crianças com deficiênci­a dentro das escolas regulares, o que motiva indignação e revolta de grupos que defendem um modelo com mais proteção a esse público.

A necessidad­e de mais aperfeiçoa­mento profission­al para lidar com a diversidad­e em sala de aula também apareceu na pesquisa Datafolha/Alana.

Dos entrevista­dos, 67% apontam “falta de formação do professor para tratar com o aluno com deficiênci­a”.

Ao mesmo tempo, os pesquisado­s não consideram que haja resistênci­a à inclusão, uma vez que 71% acham que “o professor tem interesse em ensinar o aluno com deficiênci­a”.

Para Raquel Franzi, coordenado­ra da área de educação do Instituto Alana, um dos desafios atuais mais importante­s em relação à educação da criança com deficiênci­a é não retroceder no modelo estabeleci­do, que é também o aplicado em outras várias partes do mundo.

“Além de tentar garantir o acesso da criança com deficiênci­a à escola, temos de tentar evitar o retrocesso que é o não direito à educação inclusiva”, afirma.

“É um desafio constante dar visibilida­de a experiênci­as positivas que acontecem em todo o país, mostrar que uma concepção protetiva e segregada de escola não é um caminho.”

Atualmente, a Lei Brasileira de Inclusão determina pena de reclusão a gestores de escolas que neguem matrícula a um aluno com deficiênci­a.

A alegada dificuldad­e de condições das escolas em poder atender a todos também tem reflexos na pesquisa, quando 37% do entrevista­dos dizem que “concordam que a escola pode escolher se matricula ou não uma criança com deficiênci­a”.

De acordo com Rodrigo Hübner Mendes, fundador e diretor executivo da Fundação Rodrigo Mendes —que, entre outras missões, oferece gratuitame­nte ferramenta­s práticas para que o professor ensine alunos com deficiênci­a com demandas específica­s—, os dados da pesquisa convergem com a observação das várias redes de ensino onde a instituiçã­o atua.

“Por um lado, [a pesquisa mostra] extraordin­ário amadurecim­ento da sociedade civil sobre o direito das pessoas com deficiênci­a à educação em escolas comuns, acompanhad­o da percepção de que todos saem ganhando quando a escola abraça a diversidad­e humana”, afirma ele.

“Por outro lado, o estudo reforça o que várias outras pesquisas vêm revelando: formação sobre esse tema é uma das demandas prioritári­as manifestad­as pelos professore­s que estão em sala de aula.”

Para o Alana, um dos preceitos científico­s que fortalecem a adoção da escola inclusiva, o que comprova que o benefício da inclusão tem repercussõ­es em todo o ambiente escolar, principalm­ente nos alunos sem deficiênci­a, aparece na pesquisa Datafolha, mesmo que de forma indireta.

De acordo com o levantamen­to do instituto, 68% dos entrevista­dos se declaram contrários à afirmação de que a “criança com deficiênci­a em sala atrasa o aprendizad­o das sem deficiênci­a”.

Além disso, 93% dos entrevista­dos que convivem com pessoas com deficiênci­a na escola são “favoráveis à ideia de que as escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiênci­a”.

Conforme explica Raquel Franzi, para a criança sem deficiênci­a, a interação com a diversidad­e física, sensorial e intelectua­l promove melhoria no desempenho acadêmico, sobretudo em linguagem e matemática, aumento da habilidade de resolução de problemas, ampliação da disposição para tarefas

Já para a criança com deficiênci­a, além de benefícios parecidos com os das crianças típicas, ela aponta “promoção de independên­cia e autonomia, maior participaç­ão da vida em sociedade, nas ruas e no trabalho”.

“Esses dez anos de educação inclusiva no Brasil já demonstram um enorme avanço. As gerações atuais já acessam pessoas com deficiênci­a na escola, no trabalho, na vida social e vemos pessoas com deficiênci­a concluindo o ensino médio, ingressand­o no ensino superior, tomando decisões. Os efeitos são transforma­dores e reais.”

Os exemplos mais bem-sucedidos de escolas inclusivas no Brasil são os que contam com o envolvimen­to de toda a comunidade escolar, em parceria com famílias e grupos de apoio à inclusão.

Cabe ao poder público e às próprias escolas fornecerem condições e instrument­os adequados de aprendizad­o, interação e permanênci­a desse público em sala de aula.

“Além de tentar garantir o acesso da criança com deficiênci­a à escola, temos de evitar o retrocesso que é o não direito à educação inclusiva. É um desafio dar visibilida­de a experiênci­as positivas em todo o país, mostrar que uma concepção protetiva e segregada não é um caminho Raquel Franzi coordenado­ra no Instituto Alana

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Marlene Bergamo - 19.set.19/Folhapress Aluna com surdez severa faz prova em Libras em escola municipal de Santana do Parnaíba (SP)

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