Folha de S.Paulo

Mais longeva em SP, professora dá aulas há 41 anos

Angela Vasconcelo­s acompanha gerações de alunos em colégio da capital; em 2009, introduziu o rúgbi

- Angela Pinho

O esporte dá uma visão para os estudantes de que é importante correr atrás. Muitos viraram professore­s de educação física, ou seguiram outras carreiras, fizeram faculdade. Isso é muito gratifican­te, porque sei que tem um dedinho meu Angela Machado de Vasconcelo­s professora de educação física da rede estadual paulista há 41 anos

são paulo João Paulo 2º foi escolhido papa, e João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar. Na cultura, a canção “Cálice” fazia sucesso na voz de Chico Buarque e Milton Nascimento, e o mundo assistia ao jovem ator John Travolta no musical “Grease”.

Nesse mesmo ano de 1978, no interior de São Paulo, Angela Machado de Vasconcelo­s começava sua carreira em um colégio da rede estadual paulista.

Desde então o mundo mudou, o Brasil também, e a sala de aula definitiva­mente não é a mesma. Angela, contudo, segue na profissão. Aos 71 anos, 41 de carreira, é a professora mais antiga em atividade na rede estadual paulista. E de uma matéria que exige disposição: educação física.

Angela poderia ter se aposentado há mais de duas décadas, mas preferiu continuar na Escola Estadual Daniel Paulo Verano Pontes, no Rio Pequeno (zona oeste de São Paulo), onde atua há 33 anos.

Por quê? Difícil explicar. Antes do magistério, chegou a fazer um curso de medicina, mas desistiu depois de dois anos. “Eu gostava, mas não me preenchia. Sempre quis dar aula”, diz.

Por isso também nunca quis ser diretora ou coordenado­ra de escola. “A gente aprende muito no convívio com as crianças”, afirma.

Entre as suas crianças, está a atual professora de inglês da escola. A de português é mãe de dois ex-alunos.

As histórias de muitas das crianças que dividiram o espaço da escola com ela ainda estão frescas na sua memória.

“Sempre procurei levar os alunos para competiçõe­s, é importante para mostrar outras realidades”, diz. “Uma vez, fui com um menino para a final estadual de atletismo. Ele tinha 15 anos e não conhecia o metrô”, lembra.

Teve outro, bom aluno, que conseguiu uma bolsa em uma escola particular. “Cheguei cedo para dar aula e ele estava me esperando, porque não tinha dinheiro para a passagem de ônibus”. Ela comprou o bilhete. Os que mais gostavam da aula costumavam ficar até fora do período com ela para treinar.

O esforço, avalia, valeu a pena. “O esporte dá uma visão para os estudantes de que é importante correr atrás. Muitos viraram professore­s de educação física, ou seguiram outras carreiras, fizeram faculdade. Isso é muito gratifican­te, porque sei que tem um dedinho meu.”

Há dez anos, Angela foi viajar e viu uma bola de rúgbi: comprou e incluiu nas aulas. Trabalhar com outras modalidade­s sempre foi uma meta sua. Futebol, hoje, ela dá porque está no currículo. “O futebol exclui as pessoas. Nos outros, todo mundo está em pé de igualdade, ninguém é o bonzão.”

Apesar das boas lembranças, Angela reconhece que muita coisa mudou —no caso da indiscipli­na, para pior.

“Já vi aluno ganhar todo um kit para estudar e jogar na rua. Eu sou do tempo em que falavam: ‘Cuidado com esse lápis, tem que durar, se mastigar a ponta vai ficar sem’”, diz.

A relação com as famílias também é outra. “Se a gente falasse que ia chamar os pais, as crianças morriam de medo. Hoje [a criança] balança o ombro ou até mesmo fala: ‘Minha mãe vai vir aqui e você vai ver’.”

Angela ressalta que, evidenteme­nte, nem todos são assim, e que ainda há muitos estudantes interessad­os.

Ela acha também que a carreira deveria ser mais valorizada. “Tenho um colega jovem no qual me vejo muito. Ele é dinâmico, gosta do que faz e tem o dom. Tem que ser incentivad­o a ficar.”

A preocupaçã­o com o futuro tem razão de ser. Este deve ser o último ano de Angela na rede estadual paulista, porque sua escola adotará o tempo integral. Ela é a favor da ampliação da jornada, mas, para ficar, teria que deixar seu outro emprego, de instrutora de musculação de idosos no Ginásio do Ibirapuera.

Parar de trabalhar, no entanto, é algo em que ela nem pensa. “Diminuir tudo bem, mas ficar sem dar aula não consigo. É algo que te puxa.”

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Bruno Santos/Folhapress A professora Angela Vasconcelo­s, a mais longeva da rede estadual paulista
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Arquivo Pessoal Angela na escola Daniel Paulo Verano Pontes, no Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, com o time de basquete que treinava

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