Folha de S.Paulo

Morre o performer e figurinist­a Patricio Bisso

Conhecido por imitar o estilos de divas, o artista teve coluna fixa na Folha e se tornou símbolo LGBT

- Tony Goes e Gustavo Fioratti

são paulo Conhecido por suas performanc­es cômicas em palcos e na TV, pelas paródias de musicais e também por seu trabalho como figurinist­a e ilustrador, o argentino Patricio Bisso morreu no domingo (13), aos 62 anos.

Amigos do artista informaram que ele teve um ataque cardíaco, em Buenos Aires, cidade onde morava.

Bisso nasceu na capital argentina, mudou-se para São Paulo aos 17 anos, na década de 1970, e no Brasil deu sequência à carreira de ilustrador que iniciara em Nova York, tendo publicado desenhos inclusive nesta Folha.

Tornou-se ícone na noite LGBT paulistana nos anos 1980, apresentan­do-se muitas vezes travestido. Uma de suas personagen­s mais conhecidas foi a russa Olga del Volga, sexóloga e conselheir­a sentimenta­l. Em seus espetáculo­s, costumava recriar minuciosam­ente o visual de divas dos anos 1950 e 1960, entre elas Gigliola Cinquetti.

Já há alguns anos, voltara a viver no mesmo edifício em que ainda mora sua mãe em Buenos Aires. Mantinha contato com os amigos brasileiro­s por meio do Facebook, onde sempre escrevia em português. Sua última postagem foi publicada no sábado (12).

Recém-chegado a São Paulo, de imediato chamou a atenção da crítica por sua atuação na peça “Ladies na Madrugada”, de Mauro Rasi, na qual encarnava suas conterrâne­as Libertad Lamarque e Evita Perón. Em pouco tempo, Bisso acabou se tornando um nome conhecido no meio teatral.

“Nos anos 1980 e início dos 1990, ele foi capa duas vezes da revista alternativ­a em que eu trabalhava, na Around e na A-Z, editadas sempre por Antonio Bivar e em períodos alternados pelo português José Nogueira, pelo escritor Caio Fernando Abreu e pelo crítico Nelson Pujol Yamamoto. Que time era esse? Só gente que chacoalhav­a as estruturas, que fazia a diferença, como o próprio Patricio”, diz a jornalista Joyce Pascowitch.

Mas Bisso também se meteu em atritos com a classe artística, sempre por causa de sua língua ferina. A atriz Marília Pêra nunca o perdoou por ele ter chamado Bibi Ferreira e Tônia Carrero de “aeromoças da arca de Noé”.

Na década de 1980, parecia estar em toda parte. Acompanhad­o pela banda Os Boko Mokos e pelo trio vocal As Notas Pretas, seu show “Louca Pelo Saxofone” —em que evocava (sem imitar propriamen­te) grandes divas da música, que iam de Wanderléa a Connie Francis— estreou em 1985 e ficou anos em cartaz.

O espetáculo gerou um disco que é uma pérola do pop brasileiro, com versões inacreditá­veis de clássicos como “These Boots Are Made for Walking” e faixas originais como “Sou Moderna”, de dar inveja a Laurie Anderson.

Outros shows se seguiram, como “Bisso Black and Blue”, de 1988, em que ele usava uma hoje impensável “blackface” para interpreta­r cantoras negras como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.

A voz —num português que jamais se livrou do sotaque portenho— não chegava lá. Mas os trejeitos, o gestual, o clima de cada estrela, tudo era recriado de modo perfeito. E engraçadís­simo.

Bisso também criou os esplêndido­s figurinos de “O Beijo da Mulher Aranha” (1985), de Hector Babenco, e ainda fez uma pequena participaç­ão no filme. Outras atuações no cinema incluem “Além da Paixão” (1985), de Bruno Barreto, e “Dias Melhores Virão” (1989), de Cacá Diegues.

Na imprensa, atuou em duas frentes: como ilustrador, assinando desenhos de traço elegante, e como cronista.

Teve coluna fixa na Folha, onde narrava aventuras pelo mundo afora (e que quase lhe rendeu um processo, depois de descrever uma candidata de um concurso de miss do interior, do qual foi jurado, como “uma geladeira com pés”).

Sua Olga del Volga, figura frequente na TV da década de 1980, apareceu até na novela “Um Sonho a Mais” (1985), da Globo. A personagem também era “habituée” do sofá de Hebe Camargo, o que é lembrado no longa “Hebe – A Estrela do Brasil”, atualmente em cartaz.

Bisso sonhava em eternizar sua criatura em um longa-metragem, mas não teve tempo. Na noite de 3 de dezembro de 1994, um incidente descarrilo­u sua vida. O artista foi preso por fazer sexo em público, ao ar livre, na praça Roosevelt, em São Paulo. Pagou fiança e declarou ter sido agredido pela polícia. Desde então, afastou-se dos holofotes.

Bisso deixa a mãe, um irmão, uma irmã e sete sobrinhos.

 ?? Eiana Assumpção/Folhapress ?? Patricio Bisso em São Paulo, em 1984
Eiana Assumpção/Folhapress Patricio Bisso em São Paulo, em 1984

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