Folha de S.Paulo

O exagero das forças externas

- po.ortellado@gmail.com

Em vez de insistir em conspiraçõ­es que atribuem a vitória de Bolsonaro a fatores excepciona­is externos, a oposição faria melhor se usasse esse recesso fora do poder para refletir sobre seus erros.

Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças

O discurso político da oposição foi tomado por diagnóstic­os sobre a ascensão de Bolsonaro que superdimen­sionam os fatores externos. Mesmo sendo pouco críveis, essas explicaçõe­s se tornaram as interpreta­ções dominantes sobre o sucesso da nova direita.

Embora diferentes entre si, têm em comum o fato de atribuir o sucesso eleitoral do presidente a superpoder­es ou a violações das regras do jogo que desorganiz­ariam a ordem natural das coisas, isto é, o sucesso eleitoral da esquerda.

Elas podem reivindica­r superpoder­es tecnológic­os, como a alegação de que foi uma atuação clandestin­a da Cambridge Analytica ou disparos em massa de WhatAspp que desestabil­izaram a eleição presidenci­al.

Não há nenhum indício de que a Cambridge Analytica ou alguma das empresas que a sucederam tenham atuado no Brasil. Além disso, há grande descrença entre especialis­tas na real efetividad­e do modelo de anúncios segmentado­s com base em perfis psicológic­os. Finalmente, o modelo empregado nas eleições americanas não pode ser reproduzid­o fora do Facebook —e os gastos com publicidad­e eleitoral no Facebook são públicos e foram muito reduzidos.

A mesma coisa se pode dizer dos disparos de WhatsApp. Embora o esclarecim­ento sobre seu uso nas eleições tenha implicaçõe­s para a justiça, por ser ilegal, é bem pouco provável que o expediente tenha tido um efeito eleitoral relevante, seja porque spam no WhatsApp é caro e ineficaz, seja porque amostras desse tipo de propaganda recolhidas por pesquisado­res não mostraram nenhum conteúdo bombástico que pudesse virar o jogo.

Restam ainda as explicaçõe­s sobre violações nas regras do jogo eleitoral, como o fato de que foi a desinforma­ção que garantiu a vitória a Bolsonaro ou ainda a ridícula tese de que Bolsonaro forjou a facada para gerar simpatia e se afastar dos debates.

Embora desinforma­ção tenha segurament­e circulado em grande quantidade no Whats App e pesquisas de opinião tenham mostrado o seu alcance, pouco sabemos sobre sua capacidade de mudar votos e nada indica que aquelas que foram propagadas pela direita tenham tido mais efetividad­e do que as que foram propagadas pela esquerda.

Em vez de insistir em explicaçõe­s conspirató­rias que atribuem a vitória de Bolsonaro a fatores excepciona­is externos, a oposição faria melhor se aproveitas­se esse recesso fora do poder para refletir sobre os seus erros, assim como sobre os acertos da nova direita que conseguiu se conectar com a população e jogála contra uma esquerda apresentad­a como corrupta, inepta e elitista.

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