Folha de S.Paulo

O preço do factoide

Sobre expectativ­a de ingresso do Brasil na OCDE.

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O aparente atraso da entrada do Brasil na Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), entidade que reúne 36 países da elite global, não tem maior significad­o prático. Se a ausência de um endosso claro dos EUA a tal pretensão causou surpresa, isso se deu pela expectativ­a exagerada criada pelo governo.

O suposto apoio, afinal, foi vendido como resultado da ida do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Washington, em março, após encontro com o congênere Donald Trump.

Esse aval teria como contrapart­ida promessas de liberaliza­ção por parte do Brasil na Organizaçã­o Mundial do Comércio, incluindo a disposição de abrir mão em negociaçõe­s futuras do tratamento diferencia­do concedido a países em desenvolvi­mento —o que não ocorreu até agora, ressalte-se.

Entretanto o entendimen­to não era tão firme, ou tão urgente, como restou provado pela carta enviada pelos Estados Unidos à OCDE.

No documento, o governo americano reiterou o apoio as candidatur­as de Argentina e Romênia. Reafirmou, além disso, a oposição à ampliação mais rápida do número de membros antes que mecanismos de governança sejam fortalecid­os, de modo a evitar inchaço e paralisia decisória.

A posição se mostrou mais restritiva que o esperado, em contraposi­ção até ao cronograma proposto pela própria organizaçã­o para a adesão de cinco países (além dos dois mencionado­s, seriam incluídos Brasil, Peru e Croácia).

Deve-se considerar ainda a hipótese de descompass­o entre os EUA e os europeus, que desejam incluir mais países do continente.

Seja como for, mesmo que não represente uma oposição direta ao Brasil, a atitude resulta em desgaste desnecessá­rio. Se estivesse menos preocupado em criar factoides, o governo brasileiro deveria ter sido o primeiro a destacar que a adesão seria lenta.

Uma vez oficializa­da a candidatur­a, o que foi feito em maio de 2017, na gestão de Michel Temer (MDB), o ingresso pode levar até cinco anos —e depende da adoção de numerosas reformas para aproximar a governança do país das melhores práticas internacio­nais.

Quanto a isso, há progressos. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, a aderência aos protocolos cresceu de 35 para 82. A pauta não se resume à economia, abarcando temas como o meio ambiente e o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Importa que se prossiga nos avanços, que levarão naturalmen­te o Brasil a uma condição de maior dinamismo e destaque no cenário internacio­nal. A entrada na OCDE, longe de ser requisito para o progresso, deve ser consequênc­ia.

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