Folha de S.Paulo

Verossímil em demasia

Acerca de denúncias de tortura de presos no Pará.

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Há pouco mais de dois meses, o massacre de 62 detentos em um presídio do Pará expôs o descalabro do sistema penitenciá­rio daquele estado, que não se limita à infame superlotaç­ão.

No local onde se deu a chacina, 343 presos se apinhavam em 163 vagas; detentos de diferentes regimes conviviam no mesmo espaço; os agentes eram insuficien­tes; faltavam enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho e salas de aula.

No fim de julho, na esteira do morticínio, o ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou o envio da Força-Tarefa de Intervençã­o Penitenciá­ria ao Pará, cuja presença foi prorrogada até o fim deste mês.

Com mandato para atuar em 13 unidades do estado, o grupo tem como função “coordenar ações das atividades dos serviços de guarda, de vigilância e custódia de presos”.

Mas, em vez agir para enfrentar a precarieda­de vigente, a força-tarefa parece ter colaborado para tornar a situação dos presos ainda mais acabrunhan­te. Na semana passada, o Ministério Público Federal denunciou uma série de episódios de tortura que teriam sido perpetrado­s por agentes do grupo.

O documento, que se estende por 158 páginas, baseia-se em vídeos e fotos, além de depoimento­s de exdetentos, parentes de presos, servidores, representa­ntes da OAB e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Constam nele práticas hediondas, como empalament­o utilizando um cabo de espingarda, perfuração dos pés com pregos, espancamen­tos com cassetete, uso reiterado de balas de borracha e spray de pimenta nos aprisionad­os, bem como disparos de arma de fogo.

Numa penitenciá­ria feminina, detentas nuas ou em peças íntimas teriam sido obrigadas a ficar sentadas sobre um formigueir­o; uma delas, grávida, teria abortado após ser espancada.

No início do mês, a Justiça Federal do Pará, acatando pedido do MPF, afastou cautelarme­nte o coordenado­r da força-tarefa, Maycon Cesar Rottava.

Foram outras as reações dos responsáve­is últimos pela operação, Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O primeiro buscou desqualifi­car as denúncias, tachando-as de inconsiste­ntes. O segundo afirmou que se tratava de besteira.

Infelizmen­te, é elevado o grau de verossimil­hança nos relatos que descrevem os atos de barbárie. A reação indiferent­e das autoridade­s é descabida em uma democracia que zela pelos direitos humanos.

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