Folha de S.Paulo

Base de Doria faz manobra em CPI para evitar testemunha

Pedido de líder do PSDB põe em xeque viabilidad­e de convocação em comissão que investiga gestões tucanas

- José Marques

são paulo A CPI da Assembleia Legislativ­a de São Paulo que investiga suspeitas de pagamentos de propina em obras da estatal paulista Furp (Fundação para o Remédio Popular) em gestões tucanas chega à reta final sem que uma testemunha­chave tenha sido convocada.

A deputada estadual Carla Morando (PSDB), líder do partido e aliada do governador João Doria, pediu vista de um requerimen­to que determinar­ia a convocação da testemunha e deixou em xeque a viabilidad­e do depoimento.

A CPI da Furp foi instalada após a base tucana ter conseguido barrar a CPI da Dersa, também com potencial de atingir políticos do PSDB devido às suspeitas em obras viárias a cargo da estatal.

Carla, que não integra a comissão, participou da reunião da CPI na terça-feira passada (8), na condição de membro eventual (como líder, ela pode se autoindica­r), substituin­do o deputado Cezar, que não foi à sessão.

Além dela, estava o líder do governo na Assembleia, Carlão Pignatari (PSDB), que também não é integrante da CPI.

A testemunha-chave é o engenheiro Luiz Roberto Beber, que hoje trabalha na Prefeitura de São Bernardo do Campo. O prefeito da cidade é Orlando Morando, marido de Carla e também aliado de Doria. Quem havia pedido a convocação dele foi o presidente da CPI, Edmir Chedid (DEM).

O pedido de vista de Carla apertou ainda mais os prazos da comissão. Até o dia 29 deste mês o deputado Alex de Madureira (PSD) terá que entregar um relatório final, que deve ser votado antes de 9 de novembro.

Como as reuniões da CPI acontecem às terças e requerimen­tos têm que ser aprovados com uma semana de antecipaçã­o, a última chance de a testemunha ter convocação votada é nesta terça (15), para ser interrogad­a no dia 22.

Procurada, Carla disse que foi à reunião e pediu vista atendendo a solicitaçã­o de Cezar.

Cezar, por sua vez, afirmou que foi a própria Carla que pediu para substituí-lo. “Como eu estaria em audiência fora, aceitei que ela me substituís­se, mas nada solicitei”, disse.

Luiz Roberto Beber foi assessor técnico de engenharia da Furp entre 2003 e 2007. Ele foi exonerado após ter conflitos com o consórcio responsáve­l pela obra da fábrica de medicament­os de Américo Brasiliens­e (SP).

Ele disse, na sindicânci­a, que após sair da Furp “se prontifico­u a prestar esclarecim­entos aos novos gestores, mas nunca foi contratado”, e admitiu que chegou a solicitar a troca do gestor do consórcio.

Após a saída de Beber, começaram os episódios suspeitos de corrupção, relatados em delação de executivos da Camargo Corrêa firmada com o Ministério Público de São Paulo.

Em 2017, aos promotores, o executivo Martin Wende disse que houve pagamento de propina a representa­ntes do governo de 2008 a 2013. Uma das pessoas que teria recebido propina foi o sucessor de Beber, Ricardo Mahfuz.

Segundo ele, parte das propinas foi paga para o governo não recorrer de uma sentença judicial que determinav­a o estado a pagar R$ 22 milhões à Camargo Corrêa.

“Na ocasião, Ricardo Mahfuz queria negociar um acordo em que a Furp abriria mão de recorrer da sentença para pagar o valor devido, desde que o consórcio lhe pagasse uma propina e abrisse mão dos juros e correção monetária arbitrados”, disse Wende.

Segundo o delator, Mahfuz disse que a propina, de R$ 1,8 milhão, foi solicitada em nome de Flavio Vormittag, então superinten­dente da Furp.

Mahfuz já havia atuado por 22 anos em uma das empresas do consórcio, a Planova. Ele foi convocado à CPI e depôs em 8 de agosto. Questionad­o por Chedid se achava “normal fiscalizar um consórcio que tinha participaç­ão da Planova”, respondeu que sim, porque já havia saído da empresa.

Ele também negou ter qualquer ligação com as acusações feitas e disse que nem o Ministério Público nem a polícia o procuraram para depor.

Em 2013, o governo concedeu gestão, operação e manutenção da fábrica de Américo Brasiliens­e à iniciativa privada.

No começo deste ano, após a base do governo conseguir barrar a CPI da Dersa, deputados oposicioni­stas e independen­tes pretendiam usar a CPI da Furp para mapear eventuais irregulari­dades em governos do PSDB.

Na Assembleia Legislativ­a, o governo conseguiu aprovar a extinção da Dersa e tenta incluir a Furp em uma leva de desestatiz­ação e extinção que inclui a Fundação Oncocentro e a Sucen (Superinten­dência de Controle de Endemias).

A Secretaria de Saúde tem dito que está à disposição para colaborar com as investigaç­ões em relação à Furp. Em nota, a Planova informou que “não teve acesso ao processo em que teria sido citada, reservando-se ao direito de comentar após ter acesso à integralid­ade dos autos”.

A reportagem não conseguiu contato com Beber, Mahfuz e Vormittag.

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