‘Aprendi a falar português e a cantar na prisão’
Não dá para contar minha história e não falar do meu começo aqui. Cheguei e uma semana depois fui presa, acusada de tráfico de drogas. Fiquei na penitenciária feminina três anos e seis meses.
Aprendi a falar português na prisão, aprendi a cantar lá, em um culto da igreja. Não é que aprendi a cantar lá, acho que lá consegui libertar a minha música, meu canto.
À noite eu abria a boqueta da minha cela, a janela onde entregavam cartas, e cantava. Todo mundo cantava comigo. Isso acalmava os bebês que passavam a noite chorando na ala materna.
Não encontrei na prisão pessoas perigosas, como todo mundo fala. Encontrei mães, tias, filhas de alguém. Eu entrei sem nada dentro do sistema, e elas dividiram tudo comigo: sutiã, calcinha, escova de dente.
O que eu vivi lá daria um livro. Hoje eu vejo por que passei por isso tudo.
Agora eu me sinto em um filme: nunca imaginei que ia cantar, estrear no cinema, fazer uma peça nos palcos incríveis de São Paulo. Essas coisas não acontecem na vida real, não é possível.
Lá na minha terra, quando a gente começa a andar, seus pais e irmãos já cantam músicas para a gente sincronizar o corpo com a dança zulu. Então você já começa a andar dançando.
Mas eu não tinha tanto interesse pela dança zulu antes de vir para cá. Quando eu cheguei, eu me senti muito desconectada das minhas raízes, precisava me identificar com algo. Meus pais até hoje não acreditam que eu me tornei uma boa dançarina de zulu.
Nossos sobrenomes lá carregam toda a nossa ancestralidade, os nomes dos nossos antepassados. O meu é Dlamini Sibal’khulu Sembatha Mkhonto Mfezi Emathe Mahle Khuze lwaka Ngobokazi Jama Kasjadu Mdlovu Magaduzela Wena Owasebukhosini. Pegou?
Olha, eu amo o Brasil. Eu nunca pensei que ia chegar um dia em que eu ia dizer: eu, Nduduzo Siba, amo o Brasil.
A cantora, dançarina e atriz Nduduzo Siba, 31, é da África do Sul e vive no Brasil desde 2013