Folha de S.Paulo

Democracia polonesa corre perigo

Na era do populismo, alimentar certezas sobre futuro político é ilusão temerária

- Yascha Mounk Cientista social, é professor associado na Universida­de Johns Hopkins e autor de ‘O Povo Contra a Democracia’ Tradução de Clara Allain

A democracia esteve em votação no domingo (13) na Polônia.

Ela sofreu uma derrota com consequênc­ias graves que se farão sentir muito além das fronteiras do país. Durante décadas, cientistas políticos enxergaram a Polônia como a grande história de sucesso da transição do comunismo à democracia.

Em nenhum outro grande país da Europa central ou do leste as instituiçõ­es democrátic­as haviam deitado raízes tão profundas; nenhum outro tinha uma imprensa tão ruidosa e uma sociedade civil que prosperara tão notavelmen­te.

Segundo especialis­tas regionais, a democracia na Polônia estava “consolidad­a”: assim como na Itália ou no Brasil, podíamos contar que ela se conservari­a estável pelo futuro previsível.

Essa narrativa começou a ser posta em dúvida quando o partido populista de extrema direita Lei e Justiça chegou ao poder na sequência de um escândalo de corrupção, em 2015.

O líder da legenda, Jaroslaw Kaczynski, começou imediatame­nte a atacar o Estado de direi toe a limitara independên­cia de instituiçõ­es fundamenta­is, como are dede rádio e televisão pública do país.

Como destacaram observador­es internacio­nais que vã odo Parlamento Europeu ao think tank Freedom House, as reformas do Judiciário empreendid­as por Kaczynski —para obrigar juízes independen­tes a se aposentare­m e assim aumentar o controle de ministros governamen­tais sobre as investigaç­ões criminais— representa­m uma ameaça grave à democracia polonesa.

Nos primeiros anos do governo do Lei e Justiça, as instituiçõ­es da sociedade civil pareciam ter limitado parte desses danos. Sob pressão de protestos, Kaczynski foi forçado a fazer algumas concessões parciais, porém significat­ivas, em relação à independên­cia judicial.

Parecia que os poloneses não aceitariam ver seus direitos democrátic­os restritos sem resistir a isso. Mas as manifestaç­ões diminuíram, e o maior partido da oposição teve dificuldad­e em se manter relevante.

Antes das eleições de domingo, Kaczynski prometeu ir ainda mais longe em seus ataques aos juízes independen­tes e à imprensa livre se seu partido saísse vitorioso das urnas.

Foi o que aconteceu. O Lei e Justiça recebeu 44% dos votos, cerca de 6% mais que nas eleições anteriores. Seu rival mais próximo, a Coalizão Cívica, de centro-direita, perdeu cinco pontos percentuai­s, com 27% do total.

Como o sistema eleitoral do país oferece vantagem consideráv­el ao maior partido político, isso é suficiente para dar a Kaczynski maioria crucial na câmara baixa do Parlamento. A oposição ganhou uma maioria muito pequena no Senado, o que permitirá adiar —mas não bloquear— algumas leis.

Ele também tem a chance de ganhar poderes de veto vencendo as próximas eleições presidenci­ais em 2020. Mas, por enquanto, o governo tem poder suficiente para avançar sua agenda com pouca oposição.

Como mostra o exemplo de outros governos, é frequentem­ente no segundo mandato que populistas conseguem assumir controle total, eliminando os centros de poder rivais.

Com o governo agora detendo poder suficiente para instituir mais reformas antidemocr­áticas, é provável que fique mais difícil para a oposição realizar seu trabalho. Isso terá consequênc­ias que se estenderão muito além das fronteiras da Polônia.

Nos últimos anos, a Hungria vem testando essas premissas além dos limites, mas os líderes europeus trataram esse fato embaraçoso como uma mera anomalia. Agora, porém, a impressão que se tem é que Varsóvia está pouco a pouco se transforma­ndo em Budapeste.

Estudiosos presumem há décadas que a democracia é frágil em alguns países, como Ucrânia e Etiópia, mas estável em outros, como Japão ou Itália.

A Polônia, segundo a maioria desses acadêmicos, fazia parte da segunda categoria. A eleição do domingo demonstrou que essa ideia era ingênua. Nenhuma democracia está em segurança total. Na era do populismo, alimentar certezas sobre o futuro político constitui uma ilusão perigosa —uma lição que os brasileiro­s têm motivos prementes para levar a sério.

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