Folha de S.Paulo

Premiados fazem perguntas muito simples sobre a pobreza

- Vinicius Mota

são paulo Quais são as causas da pobreza? São constrangi­mentos contextuai­s, como a má dotação de recursos naturais? Ou ela é fruto da escolha de indivíduos que decidiram não progredir?

Não há resposta para essas perguntas no extenso programa de pesquisas premiado com o Nobel de Economia de 2019.

Abhijit Banerjee e Esther Duflo, do MIT, e seu colega Michael Kremer, de Harvard, se recusam a dar asas a teorias abrangente­s e às vezes militantes sobre o atraso relativo que afeta centenas de milhões no planeta.

As questões que eles propõem são bem mais simples, embora a ambição do projeto não o seja.

Por que as pessoas não colocam os filhos para dormir envoltos em redes que os protejam do mosquito da malária mesmo se o investimen­to é irrisório diante dos ganhos econômicos que essa ação promoverá ao longo da vida?

Oferecer de graça ou a preço subsidiado o equipament­o fará grande diferença na adesão a ele?

Por que mães não completam o ciclo de vacinas de seus filhos e não adotam outras tecnologia­s gratuitas ou subsidiada­s de prevenção que elevam o bem-estar de modo perene?

Por que crianças pobres passam vários anos frequentan­do a escola, mas não aprendem nada? Algo a ver com a organizaçã­o das turmas e os objetivos do sistema de ensino?

Por que um vendedor de frutas, que se submete a juros diários de 5% (mais de 50 milhões por cento ao ano) cobrados pelo seu fornecedor, não deixa de tomar duas xícaras de chá por dia e assim poupa o suficiente para declarar independên­cia do agiota em três meses?

Por que agricultor­es não usam fertilizan­tes disponívei­s e perdem a chance de catapultar a produtivid­ade da terra?

Faz diferença, para a criação de uma menina, entregar o dinheiro de um programa do governo ao avô ou, alternativ­amente, à avó?

Onde está o pulo do gato dos programas de microcrédi­to? No constrangi­mento comunitári­o para que o indivíduo cumpra religiosam­ente suas obrigações? Ou no barateamen­to do custo de cobrança de instituiçõ­es financeira­s?

A explosão dos pequenos empréstimo­s revela um grande potencial empreended­or subaprovei­tado ou está mais associada à carência de opções para o sustento familiar?

Para responder a essas questões, redes de pesquisado­res nas quais se destaca o trio agraciado com o Nobel amiúde se valem de metodologi­a análoga à que é utilizada para testar novos medicament­os.

Comparam grupos semelhante­s, definidos aleatoriam­ente.

Um deles será submetido à intervençã­o que se quer avaliar, e o outro será o parâmetro para saber se o efeito estudado ocorreu e, em caso afirmativo, em que medida.

A resposta típica só é válida naquele contexto.

Lavradores do oeste do Quênia não conseguem coordenar-se para comprar fertilizan­tes quando têm dinheiro, logo após a colheita. Quando necessitam do insumo, perto do plantio, estão sem nenhum tostão.

Ao receberem transferên­cia de renda do governo, avós sul-africanas, integrante­s de grandes núcleos familiares que incluem crianças, tendem a proteger mais o bem-estar das netas mulheres. Quando são os avôs os titulares do benefício, isso não acontece.

Na Índia, a falta crônica de funcionári­os nos postos de saúde, aliada a certos traços culturais, estimula o recurso a curandeiro­s e charlatães, a custos muito superiores e resultados muito ruins para as próprias famílias pobres.

Mas a proliferaç­ão de estudos em várias regiões do mundo, com metodologi­a comparável e sujeita à crítica dos colegas, vai tecendo aos poucos alguns achados mais frequentes.

A pobreza parece estar associada a uma incerteza profunda.

A tendência, demasiadam­ente humana, de valorizar desproporc­ionalmente o presente sobre o futuro fica exacerbada nesses ambientes.

A poupança, o seguro, o crédito, as ações preventiva­s de saúde e os esforços de educação —invenções que amortecem as intempérie­s vindouras— acabam desfavorec­idas mesmo quando são economicam­ente viáveis.

A boa notícia é que a política pode desenhar intervençõ­es que ataquem com sucesso essa deficiênci­a no plano concreto.

Agregue os alunos por sua condição de conhecimen­to e os faça evoluir devagar.

Ofereça vale-fertilizan­tes aos lavradores quando eles têm dinheiro, pague às mães para vacinarem seus filhos, coíba o absenteísm­o dos profission­ais de saúde e educação.

Só não saia a implantar ou cortar programas sem observar a melhor ciência disponível. Isso em geral aumenta a pobreza.

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