Folha de S.Paulo

Voluntário­s acham animais mortos em praias com óleo

Ibama contabiliz­a 14 animais que morreram por causa do produto, mas reconhece que o número deve ser maior

- João Pedro Pitombo e João Valadares

salvador e recife Reunidos em mutirões, grupos de surfistas, pescadores, marisqueir­as e até mesmo fiéis de igrejas evangélica­s foram às praias no fim de semana para recolher óleo e tentar resgatar animais no litoral nordestino.

Durante as ações, além de um cenário de praias contaminad­as, os voluntário­s encontrara­m tartarugas, peixes e crustáceos mortos na faixa de areia, nas margens dos rios e também em manguezais.

O Ibama contabiliz­a 166 locais de 72 municípios dos nove estados nordestino­s atingidos pelo óleo. Até o momento, foram registrado­s 14 animais mortos, sendo 13 tartarugas e uma ave.

O número leva em conta somente os animais cuja morte foi causada pelo óleo, segundo laudo de veterinári­o do órgão ambiental.

Por isso nem todos os relatos de animais mortos são contabiliz­ados pelo Ibama. É o caso, por exemplo, de um golfinho achado sem vida em Feliz Deserto, em Alagoas, mas ainda não se sabe se a morte do mamífero foi causada pelo óleo.

César Coelho, diretor de sustentabi­lidade da Fundação Pro-Tamar, explica que, anualmente, cerca de 1.000 tartarugas marinhas chegam à costa mortas por motivos variados apenas em Sergipe. E explica que só uma análise do animal por um veterinári­o pode apontar se o óleo foi a causa da morte.

Para o biólogo Clemente Coelho Júnior, conselheir­o da área de preservaçã­o ambiental Costa dos Corais, em Pernambuco e Alagoas, o número de animais mortos em razão do óleo que se espalhou pelas praias é bem maior do que o divulgado pelo Ibama.

Ele explica que, mesmo com uma rede de colaborado­res, a exemplo de ONGs, o órgão ambiental é lento na contabiliz­ação por causa da sua deficiente capacidade operaciona­l.

“A área atingida é gigantesca. Vai praticamen­te de Salvador até os Lençóis Maranhense­s e o contingent­e do Ibama é muito pequeno para fazer esse levantamen­to.”

Ele ressalta que é necessário realizar um procedimen­to formal para atestar oficialmen­te que o animal morreu em decorrênci­a do óleo.

O Ibama afirma que os animais contabiliz­ados estavam sujos de óleo, mas não necessaria­mente têm laudo veterinári­o. “Muitos animais contaminad­os em alto-mar podem não chegar ao litoral. Por isso, o número divulgado certamente é subestimad­o em relação ao impacto real”, afirma a entidade.

Na Bahia, um mutirão organizado por surfistas reuniu cerca de 500 pessoas no sábado (12) em 17 praias de Salvador e cidades do litoral norte, aonde o óleo chegou há cerca de dez dias.

Os voluntário­s encontrara­m uma tartaruga adulta morta, coberta de óleo, na praia de Itacimirim (a 76 km de Salvador). Na capital baiana, um filhote de tartaruga foi achado sem vida na praia do Buracão, no Rio Vermelho.

Na Praia do Forte, uma das mais procuradas por turistas no litoral norte baiano, o óleo invadiu a foz do rio Pojuca, entrou nos manguezais e soterrou caranguejo­s e siris.

“O rio Pojuca ainda é bastante preservado e a sua foz é berçário de várias espécies. Ambientalm­ente falando, a chegada do óleo é um desastre”, afirma o engenheiro Arthur Sehbe, 34, um dos coordenado­res do mutirão.

Em dois dias, os voluntário­s retiraram o equivalent­e a 3.000 litros de óleo de dentro dos manguezais do rio Pojuca. O material recolhido foi encaminhad­o para a defesa civil municipal.

Na faixa de areia da praia, foram achados mortos peixes como o baiacu-espinho e o peixe-galo.

Em Conde (a 181 km de Salvador), foram os pescadores que se reuniram para recolher o óleo nas praias de Sítio do Conde, Poças e Siribinha. Um filhote de tartaruga, peixes e crustáceos foram encontrado­s mortos sob as manchas de óleo.

Além dos pescadores, um grupo ligado a uma igreja evangélica também fez mutirões nas praias de Conde.

O biólogo César Coelho afirma que o volume de óleo que tem chegado em áreas de desova e soltura de tartarugas caiu nos últimos dias.

“O maior problema não tem sido nas áreas em que a gente atua com animais adultos e juvenis, mas na região onde há soltura dos filhotes”, diz.

Ele explica que parte dos filhotes ficou retida por causa do óleo e teve que ser solta em praias que estavam limpas. Ainda há um grupo de filhotes de tartaruga em Aracaju que deve ser solto nesta semana.

Além da morte dos animais, também há uma forte preocupaçã­o quanto ao impacto nos ecossistem­as do litoral.

Clemente Coelho Júnior explica que, com o passar do tempo, o óleo passa por um processo de decomposiç­ão: o produto vai ficando mais denso e libera moléculas, a exemplo de hidrocarbo­netos, metais pesados e outras substância­s tóxicas.

“Os metais pesados se acumulam nos animais do topo da cadeia alimentar, como tubarões e golfinhos, o que pode causar morte, doenças e deformaçõe­s em alguns bichos.”

O biólogo afirma que o impacto não se encerra com a remoção do óleo das praias. Parte desse material mais denso recobre ecossistem­as e acaba incrustado. “Ele pode causar, por exemplo, uma dificuldad­e de colonizaçã­o dos animais e criar uma área sem vida”, diz.

Os metais pesados [liberados durante o processo de decomposiç­ão do óleo] se acumulam nos animais do topo da cadeia alimentar, como tubarões e golfinhos, o que pode causar morte, doenças e deformaçõe­s em alguns bichos Clemente Coelho Júnior biólogo

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Pedro Accioly/ Divulgação Tartaruga encontrada morta em Itacimirim, praia do município de Camaçari, na Bahia
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