Andréia Horta volta a interpretar mulher contestadora no teatro
são paulo A trajetória de Andréia Horta tem sido marcada pelo caráter forte e contestador das personagens que desempenha. Foi assim em novelas como “Cordel Encantado” e “Liberdade, Liberdade” e, claro, no filme “Elis” (2016), de Hugo Prata, no qual interpretou a cantora Elis Regina naquele que foi o seu papel mais elogiado da carreira.
“Elas me perseguem”, afirma. “Eu já pensei em passar a aceitar só mulheres submissas, frágeis, mas os convites chegam e eu não tenho como negar”. E foi justamente um convite inesperado para viver uma nova mulher de perfil libertário que a fez voltar aos palcos, sete anos após sua última aparição em cena, em “Breu”, de Pedro Brício.
Infeliz com a vida tediosa e conformada que vive ao lado do marido, April Wheeler decide lutar contra as pressões sociais para tentar seguir um novo caminho com sua família em “Jardim de Inverno”.
A obra é uma adaptação do livro “Revolutionary Road”, de Richard Yates, que deu origem ao filme “Foi Apenas um Sonho”, com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. A peça está em cartaz no teatro Raul Cortez.
“A peça poderia se chamar April, porque ela condensa toda a ação do espetáculo”, diz Fabrício de Pietro, ator e produtor responsável pela adaptação inédita do romance para os palcos. “É um livro rico para atores, e eu vislumbrava que seria incrível contar essa história no teatro”, afirma Pietro, que, conta ter recebido respostas negativas de alguns dramaturgos antes de decidir assinar o texto.
O casal protagonista, morando num subúrbio no estado de Connecticut, se percebe infeliz e entediado. Frank tem um bom emprego, e April é uma dona de casa dedicada que, com o tempo, se vê insatisfeita com o conformismo.
“Ela tem essa força interna, um desejo de mudar e sair da mesmice, do cotidiano sufocante, da frustração. Mas existe a força de uma organização social no entorno que é muito mais poderosa”, afirma o diretor Marco Antônio Pâmio.
“Acredito que a história soaria anacrônica se transferida para os dias atuais, porque o papel da mulher se modificou tremendamente nesses 60 anos. A gente fala de uma personagem que se percebe frustrada no papel de mãe, dona de casa e esposa, reconhece a infelicidade e tenta mudar”, acrescenta, sobre o texto ambientado em 1955.
Pietro, ator e produtor do espetáculo, pensa algo parecido.
“A gente se engana com a felicidade. Tudo ao redor nos vende uma receita falsa de felicidade e nós compramos, crescemos com isso. Às vezes vamos tendo a chance de reconhecimento em um trabalho que não gostamos, vivemos um casamento infeliz e nunca paramos para perguntar como chegamos ali.”
O rompante de April foi o que conquistou Andréia Horta, que assume o papel após a desistência de Regiane Alves, que, por problemas de agenda, indicou a colega, num coro endossado por Pâmio, que trabalhou com Horta na minissérie da Globo “JK”, de 2006.
“A Andreia tem uma capacidade de comover ao falar um texto que é muito interessante. Parece que a personagem foi pensada para ela, é incrível. A April escolheu a Andréia porque tem um vulcão dentro dela, uma sensibilidade imensa”.
Andréia vê em April um paralelo com as personagens que viveu anteriormente. “São mulheres que, cada uma no seu tempo, questionaram: que merda é essa, o que está acontecendo aqui? Essa vida não tem sentido, e nós vamos dando sentido a ela. De repente ele caduca, e temos que encontrar outro, e corremos o risco de nos enquadrar naquilo que a sociedade sempre nos pôs.”
Jardim de Inverno
Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista. Sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 20h. Até 17/11. R$ 50