Folha de S.Paulo

Sexo, poder e dinheiro

Os programas do SBT são um refúgio para a turma da moral e dos bons costumes

- Manuela Cantuária Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos

A porta de entrada, geralmente, era um inocente episódio de “Chaves” reprisado pela milésima vez. Cedo ou tarde, a criança dos anos 1990 seria sugada para dentro daquele mundo que desafiava a lógica e o bom senso: a programaçã­o do SBT.

Uma banheira redonda se transforma­va em um ringue onde um convidado famoso se lançava em uma escorregad­ia batalha corporal contra uma modelo de biquíni, disposta a qualquer coisa para impedi-lo de resgatar sabonetes do fundo das águas espumosas.

Os sabonetes só não eram mais importante­s do que as partes íntimas que escapuliam das roupas de banho e a “mão boba” dos participan­tes —no caso, episódios de assédio sexual transmitid­os ao vivo que arrancavam gargalhada­s do apresentad­or.

A saga nonsense passava pelo Concurso da Gata Molhada, no qual mulheres de roupa branca sensualiza­vam embaixo de um chuveiro montado no palco; testes de paternidad­e que acabavam em trocas de insultos e agressões físicas; e o clássico Topa Tudo por Dinheiro, em que o dono da emissora humilhava participan­tes e membros da plateia com provas estapafúrd­ias, pegadinhas e comentário­s preconceit­uosos.

Por sorte, a criança dos anos 1990 consegue escapar de tudo aquilo e se tornar um adulto funcional, com algum senso crítico. É quando ele descobre, pelos trending topics do Twitter, que A Fantástica Fábrica de Absurdos ainda opera a todo vapor.

Recentemen­te, um concurso de miss infantil exibiu meninas de dez anos desfilando de maiô, submetidas a uma votação que avaliava qual delas tinha o colo e as pernas mais bonitas.

A emissora chegou a exibir o telejornal estrangeir­o Alarma TV, considerad­o um dos mais violentos do mundo, no horário matinal, antes de um programa infantil. Enquanto os espectador­es mirins esperavam os desenhos animados, uma matéria acompanhav­a um procedimen­to médico no qual um brinquedo erótico era retirado do ânus de um paciente.

Os programas do SBT hoje são um alegre refúgio para a família Bolsonaro e a turma da família, da moral e dos bons costumes. No ápice da Vaza Jato, Sergio Moro foi reclamar da imprensa sensaciona­lista justo no Programa do Ratinho (o mesmo Ratinho que recebeu R$ 268 mil para fazer merchan da reforma da Previdênci­a).

Em um vídeo de 2016 que voltou a circular na internet, Silvio Santos cruza a linha mais uma vez quando pergunta a uma criança se ela prefere sexo, poder ou dinheiro. Um questionam­ento que deve assombrá-lo, já que ele parece gostar muito dos três.

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Silvis

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