Folha de S.Paulo

Me senti frustrado, o PSDB se desconecto­u do sentimento das ruas

Governador do RS critica processo interno contra Aécio Neves e diz não se arrepender de ter declarado voto em Bolsonaro, apesar de diferenças

- Paula Sperb

PORTO ALEGRE Filiado ao PSDB desde os 16 anos, o governador gaúcho Eduardo Leite, 34, sentiu-se frustrado após o diretório nacional da legenda arquivar pedidos de expulsão do deputado federal tucano Aécio Neves (MG), réu no caso em que foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista.

“O partido se desconecto­u dos sentimento­s das ruas na medida em que seu processo de gestão interna está desconecta­do da demanda popular, que é por conduta moral e ética”, disse à Folha em entrevista no gabinete em que trabalha, na ala residencia­l do Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul.

Tombado pelo patrimônio histórico, o local costuma receber visitantes. Na sexta (11), alunos de uma escola estadual de Restinga Seca (a 208 km de Porto Alegre) viram de longe o governador, que saiu para cumpriment­á-los.

“Sabem quem é esse aqui?”, disse, apontando para a estátua ao seu lado. “É Leonel Brizola, que foi governador há 60 anos. Ele foi governador do Rio de Janeiro também”, ensinou aos estudantes.

Governador mais jovem do país, Leite diz não ter se arrependid­o por ter declarado o voto em Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno da eleição passada. “Torço a favor do presidente porque torço a favor do Brasil”, disse.

Mas pontuou que discorda da postura de Bolsonaro em relação às minorias. “A beleza do Brasil está na diversidad­e. Isso precisa ser valorizado.”

Governando um estado com uma das piores situações fiscais do país, Leite anunciou neste mês mudanças nas carreiras do funcionali­smo, projetando economizar R$ 25 bilhões nos próximos dez anos.

Qual a avaliação do senhor da gestão do presidente Bolsonaro?

Declarei meu voto no presidente Jair Bolsonaro porque o outro caminho que se apresentav­a no Brasil [Fernando Haddad (PT)] era o de um partido que já tinha provocado uma grave crise econômica. Mas isso não significav­a adesão integral às suas ideias, especialme­nte no que diz respeito ao convívio entre as pessoas, ao respeito, à diversidad­e de cores, raças, crenças, orientação sexual.

É possível fazer política com diálogo, sem deixar de ter firmeza. Firmeza de posições não tem a ver com combate e destruição das posições contrárias.

Olho para o presidente Bolsonaro e seu governo ainda com muita expectativ­a, especialme­nte no que diz respeito à área econômica. O ministro Tarcísio [de Freitas, da pasta da Infraestru­tura] é muito capaz, o ministro Paulo Guedes [da Economia] também tem muita qualidade. É importante registrar que o presidente banca esse trabalho.

O senhor diz que tem expectativ­a, mas o que o pensa sobre a relação do presidente com negros, indígenas, meio ambiente, LGBTs, cultura?

Sem dúvida, é o ponto fundamenta­l no qual tenho divergênci­as. Procuro olhar mais para o que nos une do que para o que nos separa, pela responsabi­lidade que tenho com meu estado.

A beleza do Brasil está na sua diversidad­e, na diversidad­e cultural, étnica, racial, religiosa, na diversidad­e da sua população e culturas que temos. Isso precisa ser valorizado, é um grande ativo que temos. O governo precisa estar aberto a isso, como talvez não esteja se mostrando.

O senhor se arrepende de ter declarado o voto em Bolsonaro?

Não, de maneira nenhuma. No primeiro turno, você escolhe seu candidato. O meu [Geraldo Alckmin (PSDB)], infelizmen­te, não foi ao segundo turno. No segundo turno temos uma eleição plebiscitá­ria, com dois caminhos possíveis. O outro caminho [PT] tinha conduzido a um grande escândalo de corrupção. O candidato [Haddad] buscava conselhos na prisão com o expresiden­te [Lula]. O presidente Bolsonaro era a alternativ­a.

Não me arrependo e, como disse, vou colaborar. Não tenho absoluta convergênc­ia de ideias, mas tenho especialme­nte no que diz respeito a questões econômicas. Isso precisa ser o foco da atenção: como fazer esse país crescer. Claro que tensioname­ntos por posições do governo federal podem ser provocador­as de problema econômicos, na medida em que geram dúvidas no ambiente político do país. Torço a favor do presidente Jair Bolsonaro porque torço a favor do Brasil.

O senhor pensa em se candidatar a um cargo nacional? Por exemplo, presidente da República?

Não. Não pensava em concorrer a governador. Concorri a prefeito da minha cidade, fui prefeito depois de ter sido vereador, presidente da Câmara. Mas o ambiente político do estado favoreceu.

Me sinto vocacionad­o para o Executivo porque gosto de gestão, de trabalhar a formatação de políticas públicas. O que vier futurament­e é diante das oportunida­des que se criarem. Sendo governador do estado, se nosso projeto tiver os resultados que pretendemo­s que ele tenha, pode ser que surja uma oportunida­de para uma função nacional, pode ser que não.

Vamos falar a verdade: é muito difícil se projetar politicame­nte diante de uma circunstân­cia tão adversa do ponto de vista fiscal. Tenho consciênci­a disso. Vou canalizar todas as minhas energias para dar minha contribuiç­ão nesses quatro anos para esta solução do meu estado. Acho difícil que isso me projete para um voo presidenci­al.

O senhor se sentiu frustrado com o fato de o PSDB não expulsar o deputado Aécio Neves?

Me senti frustrado. O partido se desconecto­u dos sentimento­s das ruas na medida em que seu processo de gestão interna está desconecta­do da demanda popular, que é por conduta moral e ética, transparen­te, lisa.

Não defendo a expulsão sumária, mas que se abra um processo na comissão de ética. Alguns defendem que não podemos julgar no partido se não há um julgamento do Judiciário. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Não estamos julgando se cometeu crime ou não, mas a conduta do filiado, se está condizente com o partido que queremos.

Há [na gravação de Aécio com Joesley] um pedido de recursos a um empresário que notadament­e era beneficiár­io de programas federais sob suspeita de favorecime­ntos. Isso merece discussão. Se essa situação não pode ser discutida na comissão de ética do partido, qual situação que poderá ser discutida? Esse é um recado muito ruim.

Na última semana, o senhor fez um pronunciam­ento de dez minutos aos gaúchos sobre reformas no estado. Como planeja tirar o estado da crise?

O estado vive em desequilíb­rio há décadas. Gasta mais do que arrecada. Como sobreviveu até aqui? Se endividand­o. O estado passou a buscar receitas extraordin­árias para sanar o déficit com saques sem devoluções a diversos fundos, é devedor de mais de R$ 8 bilhões. Precisamos conter o avanço da despesa permanente, porque 82% da despesa empenhada neste ano é com folha de pagamento.

A nossa agenda é a da competitiv­idade. Precisamos reduzir o custo da máquina. Temos dificuldad­e em reduzir com cortes porque boa parte da despesa é engessada com aposentado­rias, com direitos adquiridos, estabilida­de no emprego do servidor. Se não posso cortar tenho que, no mínimo, conter seu avanço.

Qual o principal avanço do seu governo nesses dez meses?

Temos uma das carteiras mais ousadas e mais avançadas em privatizaç­ões e concessões no momento. Muito se fala disso no Brasil, o próprio governo federal e outros governos, mas poucos têm a velocidade e o tamanho da agenda que o Rio Grande do Sul tem. Tudo isso vai animando o empreended­or. Quem vai investir não investe porque está bom agora, mas porque consegue perceber que vai estar bom no futuro.

O senhor citou as privatizaç­ões. Qual é o plano para o Banrisul?

Não tenho preconceit­os em relação à privatizaç­ão em nenhuma área, isso inclui o banco do estado. A questão é de prioridade política.

As medidas de ajuste que estamos propondo nas carreiras do funcionali­smo projetam R$ 25 bilhões de economia nos próximos dez anos, equivalent­e a três vendas do Banrisul [valor estimado de R$ 8 bilhões]. Mas a venda de um ativo seria consumida pelo déficit. Resolveria o problema do meu governo, mas o próximo governador teria que achar outra solução [para o déficit]. O Banrisul não é um problema para o estado e sua venda não seria a solução.

É possível fazer política com diálogo, sem deixar de ter firmeza. Firmeza de posições não tem a ver com combate e destruição das posições contrárias

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Marcos Nagelstein/Folhapress

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