Maioria dos recursos leva até 1 ano no STJ e no STF
Agilidade do Judiciário é argumento em discussão sobre prisão após 2ª instância
A maioria dos recursos que contestam decisões da Justiça criminal é julgada em menos de um ano no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça). É o que aponta análise da Folha sobre mais de 40 mil ações que transitaram em julgado de 2009 a 2019.
No STJ, 63% dos recursos levaram até um ano para serem decididos, a contar da data em que chegaram ao tribunal. No STF, isso aconteceu em 77% dos casos.
Processos que levaram mais de três anos equivalem a um em cada dez no STJ e menos de 5% no STF.
Esses prazos são alguns dos argumentos que estão em jogo diante da decisão do Supremo de reavaliar, a partir de amanhã, a prisão de condenados após segunda instância, bandeira da Lava Jato. Para seus defensores, a demora do Judiciário poderia gerar impunidade.
Em caso de mudança no entendimento da corte, o ex-presidente Lula (PT) e ao menos outros 12 presos da Lava Jato no Paraná podem deixar a prisão.
são paulo A maioria dos recursos que contestam decisões da Justiça criminal é julgada em menos de um ano no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O tempo é um dos argumentos em jogo diante da decisão da suprema corte de reavaliar, em julgamento nesta quintafeira (17), a prisão de condenados após sentença na segunda instância —bandeira da Lava Jato que, dependendo da mudança, pode beneficiar Lula.
Defensores das prisões nesses casos —antes de serem esgotadas as possibilidades de recursos— avaliam que uma eventual alteração de entendimento pelo STF possa levar à impunidade diante da demora do Judiciário.
O ritmo de julgamento nos tribunais superiores surge em levantamento da Folha com base em ações que já transitaram em julgado —ou seja, naquelas em que não é mais possível recorrer da decisão e os processos foram encerrados.
Atualmente, a corte entende que uma pessoa que foi condenada em segunda instância já pode começar a cumprir pena, ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior.
A reportagem analisou cerca de 38 mil recursos especiais no STJ e 2.500 recursos extraordinários no STF, todos eles na área de direito penal. Recurso é um dos nomes dados às ações que contestam uma decisão do Judiciário.
Os casos levantados transitaram em julgado de 2009 a 2019, vindos de instâncias inferiores. Habeas corpus, agravos e embargos não foram incluídos no levantamento.
No STJ, 63% dos recursos levaram até um ano para transitar em julgado, a contar da data em que o caso chegou ao tribunal. No STF, isso aconteceu em 77% dos casos.
Processos que levaram mais de três anos para serem finalizados são raros: equivalem a 1 em cada 10 dos analisados no STJ. No Supremo, eles não chegam a 5%.
Embora especialistas concordem que há sobrecarga nos tribunais superiores, no panorama geral são poucos os processos que chegam até eles.
Em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ, e só 1 vai ao Supremo.
Há mais de um motivo para isso. O primeiro é que tribunais superiores têm filtros rigorosos para verificar se o recurso atende às regras estabelecidas. Só são aceitos no STF, por exemplo, recursos em que seja comprovada a repercussão geral —é preciso demonstrar que o processo tem relevância social, política, econômica ou jurídica que extrapola o interesse da causa em si.
Outro ponto é o acesso à Justiça. Custa caro recorrer, visto que é preciso arcar com as despesas com advogados. Defensorias públicas têm pouca estrutura para atender à grande demanda de ações.
Hoje, o STF tem um acumulado de cerca de 5.000 processos ligados a direito penal (7% do total) aguardando julgamento. No STJ, são cerca de 43 mil (14% do acervo).
Em comparação, considerando o ano de 2018, chegaram aos juízes de primeira instância 1,6 milhão de novos processos criminais. O número é de um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também indica um déficit de juízes: para cada cinco postos, um está vago.
Quem tem recursos financeiros para arcar com bons advogados tem mais poder para recorrer às cortes superiores, e há, sim, casos que se desenrolam por anos, ainda que sejam a minoria.
Advogados consultados pela reportagem afirmam que há situações em que os tribunais demoram mais de um ano apenas para decidir se o recurso atende aos requisitos para ser analisado.
Para o advogado criminalista João Daniel Rassi, sócio do escritório SiqueiraCastro, não é possível atribuir a morosidade do Judiciário aos tribunais superiores nem à possibilidade de interpor mais de um recurso a uma decisão. Segundo ele, faltam magistrados e estrutura para que a Justiça consiga atender à demanda.
“O ponto é o funcionamento da própria Justiça, a melhora da estrutura para julgar os recursos que são interpostos. O Judiciário tem que ter tecnologia que desburocratize expedientes internos e que permita que os recursos sejam julgados com rapidez.”
Um argumento levantado por quem defende a prisão após a condenação em segunda instância é que a demora do Judiciário leva à impunidade. Por lei, o Estado tem um prazo para punir quem cometeu uma irregularidade. O período varia de acordo com o crime.
No aguardo do julgamento, muitos crimes prescrevem, ou seja, a Justiça perde o prazo para punir o criminoso.
Doutora em direito penal e professora da FGV-SP, Heloisa Estellita afirma que o problema está na estrutura do Judiciário. “Acusação e defesa têm prazo para atuar. Se perderem os prazos, perdem o direito de recorrer. Quem não tem prazo é o juiz. Se o problema é o percurso, temos que aparelhar o Poder Judiciário”, diz.
Segundo um relatório parcial do CNJ (não inclui SP e RS), 25% dos presos do país cumprem pena em execução provisória —já foram condenados, mas o processo ainda tramita. São cerca de 148 mil pessoas em um universo de 600 mil. Contudo não se sabe quantos já estavam presos preventivamente antes da condenação.
Nesses casos, uma mudança no entendimento do Supremo quanto à prisão após condenação em segunda instância não faria com que os presos deixassem a cadeia imediatamente. Seria preciso que a Justiça analisasse cada caso e decidisse se há justificativa legal para mantê-los em presídios (como risco à sociedade) ou se seriam postos em liberdade provisória enquanto aguardam o fim do processo.
A demora maior em chegar à sentença se dá no primeiro grau. Isso é esperado: é no julgamento da primeira instância que são ouvidas testemunhas, por exemplo, e isso leva tempo.
Se a decisão inicial for contestada em tribunais superiores, a sentença será analisada e revisada, mas não é mais necessário refazer todas as etapas da fase de conhecimento.
No STJ e no STF, vale ressaltar, não é possível reexaminar provas. Não cabe aos ministros decidir se o réu é culpado ou inocente: eles avaliarão se a decisão que está sendo questionada violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituição (no caso do STF).
Em média, um processo criminal leva 3 anos e 10 meses para chegar à primeira sentença na Justiça estadual. No Tribunal de Justiça gaúcho, o mais lento do país, a média é de 8 anos e 2 meses.