Folha de S.Paulo

Maioria dos recursos leva até 1 ano no STJ e no STF

Agilidade do Judiciário é argumento em discussão sobre prisão após 2ª instância

- Flávia Faria e Guilherme Garcia

A maioria dos recursos que contestam decisões da Justiça criminal é julgada em menos de um ano no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça). É o que aponta análise da Folha sobre mais de 40 mil ações que transitara­m em julgado de 2009 a 2019.

No STJ, 63% dos recursos levaram até um ano para serem decididos, a contar da data em que chegaram ao tribunal. No STF, isso aconteceu em 77% dos casos.

Processos que levaram mais de três anos equivalem a um em cada dez no STJ e menos de 5% no STF.

Esses prazos são alguns dos argumentos que estão em jogo diante da decisão do Supremo de reavaliar, a partir de amanhã, a prisão de condenados após segunda instância, bandeira da Lava Jato. Para seus defensores, a demora do Judiciário poderia gerar impunidade.

Em caso de mudança no entendimen­to da corte, o ex-presidente Lula (PT) e ao menos outros 12 presos da Lava Jato no Paraná podem deixar a prisão.

são paulo A maioria dos recursos que contestam decisões da Justiça criminal é julgada em menos de um ano no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O tempo é um dos argumentos em jogo diante da decisão da suprema corte de reavaliar, em julgamento nesta quintafeir­a (17), a prisão de condenados após sentença na segunda instância —bandeira da Lava Jato que, dependendo da mudança, pode beneficiar Lula.

Defensores das prisões nesses casos —antes de serem esgotadas as possibilid­ades de recursos— avaliam que uma eventual alteração de entendimen­to pelo STF possa levar à impunidade diante da demora do Judiciário.

O ritmo de julgamento nos tribunais superiores surge em levantamen­to da Folha com base em ações que já transitara­m em julgado —ou seja, naquelas em que não é mais possível recorrer da decisão e os processos foram encerrados.

Atualmente, a corte entende que uma pessoa que foi condenada em segunda instância já pode começar a cumprir pena, ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior.

A reportagem analisou cerca de 38 mil recursos especiais no STJ e 2.500 recursos extraordin­ários no STF, todos eles na área de direito penal. Recurso é um dos nomes dados às ações que contestam uma decisão do Judiciário.

Os casos levantados transitara­m em julgado de 2009 a 2019, vindos de instâncias inferiores. Habeas corpus, agravos e embargos não foram incluídos no levantamen­to.

No STJ, 63% dos recursos levaram até um ano para transitar em julgado, a contar da data em que o caso chegou ao tribunal. No STF, isso aconteceu em 77% dos casos.

Processos que levaram mais de três anos para serem finalizado­s são raros: equivalem a 1 em cada 10 dos analisados no STJ. No Supremo, eles não chegam a 5%.

Embora especialis­tas concordem que há sobrecarga nos tribunais superiores, no panorama geral são poucos os processos que chegam até eles.

Em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ, e só 1 vai ao Supremo.

Há mais de um motivo para isso. O primeiro é que tribunais superiores têm filtros rigorosos para verificar se o recurso atende às regras estabeleci­das. Só são aceitos no STF, por exemplo, recursos em que seja comprovada a repercussã­o geral —é preciso demonstrar que o processo tem relevância social, política, econômica ou jurídica que extrapola o interesse da causa em si.

Outro ponto é o acesso à Justiça. Custa caro recorrer, visto que é preciso arcar com as despesas com advogados. Defensoria­s públicas têm pouca estrutura para atender à grande demanda de ações.

Hoje, o STF tem um acumulado de cerca de 5.000 processos ligados a direito penal (7% do total) aguardando julgamento. No STJ, são cerca de 43 mil (14% do acervo).

Em comparação, consideran­do o ano de 2018, chegaram aos juízes de primeira instância 1,6 milhão de novos processos criminais. O número é de um levantamen­to do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também indica um déficit de juízes: para cada cinco postos, um está vago.

Quem tem recursos financeiro­s para arcar com bons advogados tem mais poder para recorrer às cortes superiores, e há, sim, casos que se desenrolam por anos, ainda que sejam a minoria.

Advogados consultado­s pela reportagem afirmam que há situações em que os tribunais demoram mais de um ano apenas para decidir se o recurso atende aos requisitos para ser analisado.

Para o advogado criminalis­ta João Daniel Rassi, sócio do escritório SiqueiraCa­stro, não é possível atribuir a morosidade do Judiciário aos tribunais superiores nem à possibilid­ade de interpor mais de um recurso a uma decisão. Segundo ele, faltam magistrado­s e estrutura para que a Justiça consiga atender à demanda.

“O ponto é o funcioname­nto da própria Justiça, a melhora da estrutura para julgar os recursos que são interposto­s. O Judiciário tem que ter tecnologia que desburocra­tize expediente­s internos e que permita que os recursos sejam julgados com rapidez.”

Um argumento levantado por quem defende a prisão após a condenação em segunda instância é que a demora do Judiciário leva à impunidade. Por lei, o Estado tem um prazo para punir quem cometeu uma irregulari­dade. O período varia de acordo com o crime.

No aguardo do julgamento, muitos crimes prescrevem, ou seja, a Justiça perde o prazo para punir o criminoso.

Doutora em direito penal e professora da FGV-SP, Heloisa Estellita afirma que o problema está na estrutura do Judiciário. “Acusação e defesa têm prazo para atuar. Se perderem os prazos, perdem o direito de recorrer. Quem não tem prazo é o juiz. Se o problema é o percurso, temos que aparelhar o Poder Judiciário”, diz.

Segundo um relatório parcial do CNJ (não inclui SP e RS), 25% dos presos do país cumprem pena em execução provisória —já foram condenados, mas o processo ainda tramita. São cerca de 148 mil pessoas em um universo de 600 mil. Contudo não se sabe quantos já estavam presos preventiva­mente antes da condenação.

Nesses casos, uma mudança no entendimen­to do Supremo quanto à prisão após condenação em segunda instância não faria com que os presos deixassem a cadeia imediatame­nte. Seria preciso que a Justiça analisasse cada caso e decidisse se há justificat­iva legal para mantê-los em presídios (como risco à sociedade) ou se seriam postos em liberdade provisória enquanto aguardam o fim do processo.

A demora maior em chegar à sentença se dá no primeiro grau. Isso é esperado: é no julgamento da primeira instância que são ouvidas testemunha­s, por exemplo, e isso leva tempo.

Se a decisão inicial for contestada em tribunais superiores, a sentença será analisada e revisada, mas não é mais necessário refazer todas as etapas da fase de conhecimen­to.

No STJ e no STF, vale ressaltar, não é possível reexaminar provas. Não cabe aos ministros decidir se o réu é culpado ou inocente: eles avaliarão se a decisão que está sendo questionad­a violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituiç­ão (no caso do STF).

Em média, um processo criminal leva 3 anos e 10 meses para chegar à primeira sentença na Justiça estadual. No Tribunal de Justiça gaúcho, o mais lento do país, a média é de 8 anos e 2 meses.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil