‘Modern Love’ leva à TV histórias de amor contadas em coluna do New York Times
Série com Anne Hathaway é inspirada em coluna do New York Times que virou até podcast
los angeles O jornalista Daniel Jones organiza há 15 anos uma das colunas mais populares do New York Times, a “Modern Love”. Ele escolhe, a cada semana, um ensaio sobre as mais variadas formas de amor entre os mais de 9 mil que recebe por ano, enviados por escritores amadores e profissionais. São histórias quase sempre comoventes, românticas ou devastadoras.
Jones nunca chorou em serviço. Até o dia em que as páginas de sua seção viraram um podcast e, mais recentemente, uma série de televisão, ambos com o mesmo nome da coluna.
O programa estreia na Amazon Prime Video nesta sexta (18) e traz um elenco que inclui Anne Hathaway, John Slattery, Dev Patel e Tina Fey.
“Olho para essas histórias como problemas editoriais, que precisam ser escolhidas, editadas”, disse Jones num evento em Los Angeles para lançar a série, na qual atua como consultor. “Mas o podcast e o seriado foram muito libertadores para mim. Eu choro de soluçar. Porque pela primeira vez vejo essas histórias como um tipo de consumidor. É incrível o quanto atores e diretores conseguem trazer para a palavra escrita.”
Cada um dos oito episódios de 30 minutos é baseado numa coluna. A produção-executiva,os roteiros e a direção de alguns episódios é do irlandês John Carney, responsável pelos musicais românticos “Apenas uma Vez” (2007) e “Sing Street” (2016). A seleção dos textos foi feita de maneira informal, com Jones, Carney e os produtores da Amazon escolhendo seus favoritos.
“Desde o começo da coluna, queríamos que fosse além do amor romântico. Amor é vulnerabilidade. São relações humanas, e relações são complicadas”, disse Jones. “Final feliz para mim é quando a pessoa chega ao fim entendendo mais sobre si mesma, e não quando ela consegue ter a pessoa pela qual estava interessada.”
“Modern Love” é a mais nova investida do New York Times em seriados de TV, após duas séries recentes de não ficção sobre jornalismo, “The Fourth Estate”, exibida pela Showtime, e “The Weekly”, da FX.
Talvez pelo formato curto, o resultado de “Modern Love” na tela não seja, para muitos, tão satisfatório quanto a leitura no jornal. Enquanto as colunas dão a possibilidade de imaginar e funcionam num ritmo próprio, boa parte dos episódios não segura o interesse pelos personagens, que são pouco desenvolvidos em meia hora. Mas o elenco deve ajudar a gerar interesse.
Anne Hathaway está no terceiro episódio e vive Lexi, advogada em busca do amor em Nova York. Suas chances, no entanto, são poucas, porque ela sofre com uma doença mental que tenta esconder de todos a seu redor. A atriz procurou a autora do texto, a escritora Terri Cheney (de “Bipolar: Memória de Extremos”), para entender os altos e baixos do transtorno bipolar.
“Terry me ilustrou bem o peso da depressão. De como tudo ao seu redor podia ser mágico e fácil e então, horas depois, se tornar impossível e sem esperança”, disse Hathaway, ao lado de Jones. “Muitos de nós precisamos aprender que somos dignos de sermos amados. Lexi precisa de uma pessoa só, apenas uma, para aceitá-la como ela é. No fundo, é o que todos queremos.”
A personagem acaba encontrando conforto ao final, embora não na companhia mais óbvia. “É alguém que lhe dá espaço, que é paciente, tem compaixão. Isso muda tudo e lhe dá um futuro”, disse a atriz.
Apesar de filmar por apenas oito dias, Hathaway sofreu com Lexi. “Me destruiu por um mês, não conseguia mais achar meu equilíbrio.”
Cristin Milioti (“How I Met Your Mother”), protagonista do primeiro episódio, faz uma jovem solteira que desenvolve uma relação incomum com o porteiro de seu prédio em Nova York.
Quando ela engravida de um ex-namorado, o porteiro serve de conselheiro e a encoraja a seguir em frente com a gravidez. “Não há romantismo entre os dois. É um amor difícil de descrever, não tem uma etiqueta”, disse Milioti. “Há quem diga que é a melhor forma de amor.”
Luciana Coelho
Desde 2004, a coluna “Modern Love” tem sido uma ilha solar em meio a um noticiário tantas vezes inóspito no jornal The New York Times. A partir de sexta, os delicados ensaios de colaboradores editados por Daniel Jones exercerão esse efeito de bálsamo em quem busca alento televisivo para dias de desencanto.
A série homônima que a Amazon Video produziu com base na coluna (depois podcast) sobre as variadas dimensões do amor parece, pelos três episódios mostrados à imprensa, um tantinho mais doce que os ensaios.
No primeiro deles, por exemplo, sobre uma garota que tece com o porteiro de seu prédio em Nova York uma relação paternal, a série reserva um olhar terno à amizade entre os dois (Cristin Milioti, a mãe de “How I Met Your Mother”, e Laurentiu Possa).
Deixa de fora, contudo, um aspecto que torna especial o texto de origem, o abismo entre o mundo dela e o dele, um imigrante albanês fugido na juventude dos campos de trabalhos de uma ditadura.
O sumiço de elementos em textos transpostos à tela é esperado, mas, neste caso, suprimir tons soturnos da história mata um aspecto do que seria a essência de Nova York e até daquilo que imaginamos ser amor: a possibilidade constante de permitir que vidas tão díspares confluam para um ponto, em harmonia.
Há tristezas, claro, porque elas são inevitáveis, como sublinha o episódio final, “A Corrida É Melhor Perto da Última Volta”, sobre uma viúva (Jane Alexander, magnífica) que tromba com outro viúvo (James Saito), se casa e enviúva novamente —não é spoiler, a situação é revelada de cara. Mas, eis o caráter solar, a sensação quando sobem os créditos é de alma aquecida.
Outro aspecto que “Modern Love” mantém é a polifonia do amor. Não só por colocar lado a lado pessoas de idade, cor, gênero, origem e natureza diversas, mas também por mostrar um sentimento bem maior do que o amor romântico.
Em outro dos episódios, “O Mundo dela Era para Uma”, um casal gay (Brandon Kyle Goodman e Andrew Scott, o padre gato de “Fleabag”) quer adotar o bebê de uma jovem que vive nas ruas (Olivia Cooke).
Um roteirista preguiçoso seria tentado a apoiar a história no casamento ou mesmo na maternidade/paternidade, mas o escritor Dan Savage e o diretor John Carney, que assina metade dos episódios, enfocam ora o laço que eles constroem com a a mãe do bebê, uma desconhecida, ora a relação libertadora que essa mulher tem com o amor.
Os demais episódios trazem atores conhecidos (Tina Fey, John Slattery, Anne Hathaway, Dev Patel) para ganhar a empatia imediata do espectador, e diretores como a britânica Sharon Horgan (criadora da ótima “Catástrofe”).
É um dos investimentos de maior calibre da Amazon, e uma seara promissora para o New York Times (outra coluna do jornal, “Diagnóstico”, virou série na Netflix) em tempos em que informar desalenta.