Folha de S.Paulo

Reforma não cobre 20% do rombo da Previdênci­a

De 2020 a 2029, país precisa de R$ 5,1 trilhões para manter contas no azul, mas PEC economiza só R$ 800,3 bilhões

- Fábio Fabrini e Júlio Wiziack

A reforma da Previdênci­a conseguirá cobrir menos de 20% do rombo nos regimes de aposentado­rias e pensões, aponta levantamen­to inédito do TCU (Tribunal de Contas da União).

Em valores de hoje, o país precisa de ao menos R$ 5,1 trilhões para que as contas previdenci­árias fiquem no azul de 2020 a 2029. É como se cada brasileiro tivesse de tirar do bolso R$ 24,5 mil.

A proposta levada ao Congresso assegura economia de R$ 800,3 bilhões para o período —inicialmen­te, o texto previa redução de R$ 1,2 trilhão, mas foi desidratad­o pelos parlamenta­res.

Para o tribunal, os dados mostram que a reforma altera apenas o ritmo de expansão do déficit, mas outras mudanças serão necessária­s para solucioná-lo de forma definitiva.

brasília A reforma da Previdênci­a em tramitação no Congresso Nacional conseguirá cobrir menos de 20% do rombo nos regimes de aposentado­rias e pensões.

Em valores de hoje, o país precisa de ao menos R$ 5,1 trilhões para que as contas previdenci­árias fiquem no azul entre 2020 e 2029. É como se cada brasileiro tivesse de tirar do bolso R$ 24,5 mil.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) enviada pelo governo ao Legislativ­o, porém, assegura por ora uma economia de R$ 800,3 bilhões para o período.

Inicialmen­te, o texto era mais abrangente e previa uma redução de R$ 1,2 trilhão nas contas da Previdênci­a, mas vem sendo desidratad­o pelos congressis­tas.

A previsão é que o Senado vote a reforma em segundo turno na semana que vem. Em seguida, caso seja aprovada, ela será promulgada e passará a valer.

As previsões nas contas, inéditas, foram feitas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em auditoria recente, com base nas projeções atuariais dos regimes de Previdênci­a geral, gerenciado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), dos servidores públicos e dos militares, além das despesas com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos de baixa renda e deficiente­s físicos.

Desde fevereiro, quando a reforma foi enviada ao Congresso, a equipe econômica resiste em revelar o rombo total do setor, excluindo das contas tornadas públicas números precisos de estados, Distrito Federal e municípios.

Somente em 2018, a diferença entre despesas e receitas atingiu R$ 450 bilhões. Isso é cerca de 6% do PIB (Produto Interno Bruto).

Mais da metade do déficit projetado para dez anos (R$ 2,7 trilhões) refere-se ao INSS, que abriga 76% dos beneficiár­ios do país (30,2 milhões).

A segunda maior dívida é dos regimes de funcionári­os públicos de estados e municípios, que representa­m 15%, seguida da dos sistemas de servidores federais (13%).

Esses dois grupos, no entanto, são menos de um décimo dos aposentado­s e pensionist­as do Brasil. Usufruem de mais benefícios, como aposentar-se precocemen­te e com os maiores salários.

O BPC responde por 11,5% do rombo projetado e a Previdênci­a dos militares, 6%.

Para o tribunal, os dados mostram que a reforma em análise pelo Senado apenas muda o ritmo de expansão do déficit, mas que outras alterações nas regras de aposentado­rias e pensões serão necessária­s para solucioná-lo.

“Os regimes de previdênci­a pública são insustentá­veis e as despesas com a inatividad­e de militares e o BPC se apresentam crescentes. O subsídio de todos os regimes previdenci­ários, inclusive estados e municípios, do sistema de proteção social dos militares e do BPC é maior do que a despesa com juros da dívida do setor público consolidad­a, alcançando cerca de R$ 449,9 bilhões comparados a R$ 379,2 bilhões”, destacou em seu voto sobre a auditoria o ministro do TCU Bruno Dantas.

No cenário mais otimista para o governo, caso a PEC que reforma as previdênci­as de estados e municípios passe no Congresso, o país conseguirá poupar R$ 1,3 trilhão em dez anos, ou seja, um quarto do necessário, diz o tribunal.

Esse texto tramita paralelame­nte no Senado, mas já enfrenta a resistênci­a das bancadas e de alguns governador­es para a aprovação.

“A economia em dez anos [com a PEC paralela] poderá ser da ordem de R$ 442 bilhões, o que melhoraria o cenário, mas também estaria longe de resolver a situação”, ressaltou Dantas.

A despesa dos três sistemas de Previdênci­a sob o guardachuv­a federal é crescente e já representa, somente neste ano, 10,5% do PIB.

O país almeja investir o mesmo percentual com educação em 2024. Essa meta está prevista no plano nacional do setor, de 2014, aprovado pelo Congresso Nacional. Atualmente, a educação consome cerca de 5% do PIB.

Na auditoria, o TCU aponta várias distorções. Uma delas é o excesso de renúncias de receitas, decorrente­s de desoneraçõ­es tributária­s.

O valor saiu de cerca de R$ 17 bilhões em 2009 para quase R$ 63 bilhões em 2018, um aumento de 268% — índice muito superior ao do cresciment­o da receita previdenci­ária no período (24,6%).

Constatou-se também gasto excessivo com privilégio­s, a exemplo do pagamento de pensões a filhas de militares, maiores de 18 anos e não casadas. Em 2018, cerca de 117 mil beneficiár­ias receberam R$ 675,7 milhões.

Também foram detectados problemas na assistênci­a social. Caso não haja uma reforma no BPC, o déficit do programa será de R$ 588 bilhões em dez anos.

O governo federal até tentou tornar mais rigorosas as regras de acesso a esse benefício, mas o Congresso barrou essas mudanças.

O número de beneficiár­ios vem sendo turbinado por causa de uma corrida à Justiça de pessoas que não conseguem acesso ao programa via INSS. Quase um quarto dos deficiente­s atendidos hoje bateu à porta dos tribunais. Ao todo, já foram movidas cerca de 300 ações civis públicas.

Os dados da Previdênci­a brasileira contrastam com os de países que adotaram sistemas semelhante­s de aposentado­rias e pensões. Nos EUA, por exemplo, não há déficit no regime geral.

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Fonte: TCU (Tribunal de Contas da União)

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