Folha de S.Paulo

Em BH agora tem ‘colégio à la carte’

Quem alimenta os jacarés quer ser comido por último

- Gregorio Duvivier É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos

Crônica minha caiu na prova. Alguns pais reclamaram, e o diretor a cancelou. Novo conceito, eles escolhem o que o filho vai ouvir lá dentro.

Na semana passada uma crônica minha publicada aqui nesta Folha foi parar numa prova do tradiciona­l colégio Loyola, de BH. Não foi a primeira vez que professore­s escolheram uma crônica deste iletrado. Já fui parar no Enem de 2017, na Uerj, em 2015 —e nas escolas construtiv­istas toda semana. Do meu lado, fico feliz de ver um texto meu figurando numa prova que eu não passaria.

Alguns pais, ao que parece, reclamaram. Até aí tudo bem: a democracia é uma delícia, diria Ciro. Toda escola que se preze tem pais reclamando na porta. Esquisito mesmo foi o diretor cancelar a prova por causa disso. Pelo que entendi, é um novo conceito de “colégio à la carte”, onde os pais escolhem o que o filho vai ouvir lá dentro.

“Oi, eu queria que a prova do meu filho viesse sem darwinismo, pode ser?”

“Claro, senhor. Vou servir um criacionis­mo bem passado.”

“Obrigado, é que lá em casa agenteéalé­rgicoà teoria da evolução .”

A justificat­iva conseguiu tornar ridículo o que era só bizarro. Segundo o diretor, acrônica fa lavado governoBol sonar o e“mostrava apenas um lado ”. E continuou :“Teria quete rum texto do ou trolado e não tinha ”. Talvez esperasse,ao lado da minh acrônica, ade um bolso na ris ta. Pra começar,não vai ser fácil encontrá lo. Não me ocorre nenhum cronista que defenda este governo.

E além disso: fiquei curioso pra entender esse método de ensino simétrico. Imagino que, pra cada texto do abolicioni­sta Joaquim Nabuco, a escola contraponh­a o texto de um escravista —pra que o aluno possa escolher um lado. Pra cada romance do comunista Jorge Amado, a escola há de contrapor um livro do integralis­ta Plinio Salgado. Imagino que a escola estude tanto as canções de protesto do período militar quanto a biografia de Brilhante Ustra — afinal, não se pode ser parcial e tudo na vida tem dois lados.

A verdade é que não acho que o diretor esteja sendo sincero em sua conciliaçã­o com o outro lado. “Há quem alimente os crocodilos na esperança de ser comido por último”, dizia Winston Churchill em 1940, sobre aqueles que queriam negociar com o nazismo. Todos os ambientes, hoje, estão cheios de supostos conciliado­res: pessoas que fingem buscar a ponderação, mas só estão com medo de perder a cabeça.

Esquecem que não se negocia com um jacaré faminto. Quando o outro lado é o fascismo ecocida, quando o outro lado aplaude a tortura e nega a mudança climática, quando o outro lado é abertament­e miliciano, genocida e autocrátic­o, a simetria com o outro lado não se chama conciliaçã­o. Chama covardia mesmo.

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Catarina Bessell

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