Folha de S.Paulo

Atraso insalubre

No ritmo atual, meta para saneamento levará mais de 40 anos; aprovar marco regulatóri­o é urgente

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Sobre desempenho pífio do país em saneamento.

Não se encontra grande novidade na informação de que mais de um sexto dos brasileiro­s sobrevive sem um serviço público tão óbvio quanto água encanada em casa. Eram 18,6% da população em 2008, 35 milhões de pessoas; uma década depois, são 16,5%, ou quase os mesmos 35 milhões.

Ao fim da segunda década do século 21, espanta constatar que a coleta de esgotos, num país de renda média como o nosso, sirva só pouco mais da metade dos habitantes. O leitor desta Folha terá talvez dificuldad­e para imaginar como 100 milhões de compatriot­as vivem sem essa comodidade.

Já foi pior, claro. Dez anos antes, a rede de esgotament­o alcançava apenas 40,9%, ou 77 milhões de brasileiro­s. Outros 112 milhões ficavam na dependênci­a de valas.

Considere-se ainda que, mesmo na década atual, o efetivo tratamento de esgotos não chega à metade do volume coletado. O restante termina despejado nos córregos e rios, com ameaça continuada para o ambiente e a saúde pública.

O fato de pouco se alterarem os números absolutos de brasileiro­s relegados à insalubrid­ade básica, após uma década inteira, indica que a expansão do sistema de saneamento mal acompanha o cresciment­o vegetativo da população. O Estado falha de maneira aviltante em suas obrigações civilizató­rias.

Não é por falta de programas e metas, registre-se. O Plano Nacional de Saneamento Básico de 2013 estipulou o objetivo de universali­zar o acesso a água limpa e esgotos tratados até 2033. No ritmo atual, isso não ocorrerá antes de 2060, como reportou este jornal.

Sucessivas administra­ções deram prioridade equivocada a obras de visibilida­de e rendimento eleitoral. Desperdiço­u-se energia, quando não recursos, em empreendim­entos que nem mesmo saíam do papel, como o famigerado trem-bala.

Enquanto isso, legiões de cidadãos tinham de sair à rua para alcançar uma fonte ou uma latrina. Nem mesmo a conjuntura econômica favorável de 2004-2008 se aproveitou para atacar de forma decisiva essa situação abjeta —e durante um governo, o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que conseguiu avanços importante­s em outras áreas da política social.

Há quem defenda que só com investimen­tos governamen­tais será possível reverter tal quadro de atraso, mas o próprio retrospect­o de décadas vem demonstrar que fracassou o modelo estatal. Há que mobilizar também recursos privados na empreitada, porém com decisiva participaç­ão do Estado, a começar por um novo marco regulatóri­o e pela fiscalizaç­ão de parcerias público-privadas.

Tal é o debate que ora ocupa Congresso e todos os níveis de governo. Passou da hora de destravá-lo.

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