Exército russo ocupa vácuo deixado pelos EUA no norte da Síria
Turquia diz que não cessará ofensiva, apesar de ameaça de sanções americanas
ceylanpinar (turquia) | the new york times A Rússia disse nesta terça-feira (15) que suas unidades militares estão patrulhando o norte da Síria, entre forças sírias e turcas, após a retirada das tropas americanas.
O movimento ilustra como o equilíbrio de poder local mudou na última semana, com a súbita perda da influência dos EUA na região.
O anúncio de que russos estão numa área onde os EUA mantinham duas bases militares até segunda (14) sinaliza jogada de Moscou para preencher a lacuna de segurança deixada pela retirada dos militares americanos e de seus parceiros em missão internacional de luta contra o grupo terrorista Estado Islâmico.
O Ministério da Defesa da Rússia disse em comunicado que suas tropas, que já estão instaladas em outras partes da Síria, estavam articulando “com o lado turco” e que “o Exército do governo sírio assumiu o controle total da cidade de Manbij e das áreas povoadas próximas”.
No Twitter, o coronel Myles B. Caggins, porta-voz da coalizão liderada pelos EUA, confirmou que suas forças, que incluem soldados franceses e britânicos, deixaram a antiga cidade curda de Manbij.
Ameaçado de sanções econômicas por Donald Trump, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que não tem medo da reação americana. “Nunca vamos declarar um cessar-fogo”, afirmou. “Eles estão nos pressionando para parar a operação. Nosso objetivo é claro. Não estamos preocupados com nenhuma sanção.”
Ainda assim, os EUA vão enviar o vice-presidente, Mike Pence, para encontrar Erdogan na quinta. O objetivo, segundo a Casa Branca, é reafirmar a intenção de punir economicamente a Turquia até que termine a ofensiva militar.
Com essas movimentações mais recentes, em breve, os exércitos da Rússia e da Turquia serão os únicos internacionais na região. Os presidentes dos dois países conversaram por telefone —e Vladimir Putin convidou Erdogan para uma visita oficial a Moscou nos próximos dias.
Segundo comunicado divulgado pelo Kremlin, os dois concordaram em garantir a integridade territorial da Síria.
Os líderes também discutiram a necessidade de evitar novos conflitos entre as forças militares turcas e sírias.
Os dois lados estão disputando o controle de grandes partes do norte da Síria, que eram administradas por um governo curdo sírio autônomo até a invasão liderada pela Turquia no dia 9 de outubro.
De acordo com uma emissora estatal síria, nesta terça, tropas do governo sírio foram destacadas para a cidade de Manbij, no norte do país, enquanto as forças lideradas pela Turquia avançavam no interior fora da cidade.
Também há relatos de que grupos de combatentes liderados pelos curdos tentaram retomar o controle sobre Ras al-Ayn, que fica na fronteira e é considerada estratégica.
O fogo pesado de metralhadoras pode ser ouvido no sul e sudoeste de Ras al-Ayn e na cidade fronteiriça turca de Ceylanpinar, a menos de 1,6 km dos combates. A artilharia turca atingiu um subúrbio a leste do assentamento sírio no meio da manhã, levantando nuvens de fumaça sobre os sítios e bosques de pistache.
Desde o início da ofensiva, os combates nessa região obrigaram pelo menos 160 mil pessoas a deixarem suas casas, segundo estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas). Já as autoridades curdas falam em cerca de 270 mil deslocados.
A incursão turca começou depois que Trump ordenou a retirada dos militares americanos da fronteira entre a Turquia e a Síria, abrindo caminho para as tropas turcas e seus representantes árabes sírios entrarem em território de posse curda no norte da Síria.
De acordo com levantamento da ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos, morreram na ofensiva 71 civis, 158 combatentes das Forças Democráticas da Síria e 128 combatentes pró-Turquia.
A decisão da Casa Branca foi condenada internacionalmente e considerada traição, já que os curdos foram importantes aliados na guerra contra o Estado Islâmico.
Especialistas na região alertaram que a retirada das tropas dos EUA encorajaria a Rússia, o Irã e o grupo integrantes do grupo terrorista.
Abandonadas pelos americanos e perdendo rapidamente terras para a força turca, autoridades curdas buscaram proteção do governo sírio e de seu maior patrocinador, a Rússia. Depois que curdos pediram ajuda ao governo do ditador Bashar al-Assad, milhares de soldados do Exército Sírio invadiram o norte da Síria pela primeira vez desde que o governo perdeu o controle da região há vários anos.
Mas as tropas do governo sírio ficaram afastadas da região de fronteira perto de Ras al-Ayn, onde as tropas curdas lutam sozinhas.
Em vez disso, as forças sírias se posicionaram em outras áreas estratégicas, como as cidades a oeste de Manbij, para ajudar a aliviar a pressão sobre os combatentes curdos na linha de frente.
A aliança de última hora tem um alto custo para as autoridades curdas, que estão efetivamente desistindo de uma administração autônoma.
As milícias curdas sírias estabeleceram um sistema de autogoverno no norte da Síria em 2012, quando o caos da guerra civil no país deu a eles a chance de criar um pequeno território autônomo livre da influência do governo central.
Os combatentes expandiram muito seu território depois de se associarem a uma coalizão militar internacional, liderada pelos EUA, para expulsar o EI da área.
Depois que conquistaram a região, eles assumiram a responsabilidade por sua governança, controlando cerca de um quarto de terras sírias.
Eles também estão controlando milhares de combatentes do EI e suas famílias, centenas dos quais fugiram de um campo de detenção em Ras al-Ayn depois que forças lideradas pela Turquia bombardearam a área no entorno.
A Turquia há muito tempo pressiona os EUA a abandonarem sua aliança com os curdos, para que suas tropas possam entrar na Síria e forçar os curdos a sair do território próximo à fronteira.
Por vários anos, o governo americano rejeitou esses pedidos—até a polêmica decisão de Trump na semana passada.
Em resposta aos ataques turcos, o Reino Unido anunciou que suspendeu a venda de armas para a Turquia.
A decisão foi divulgada um dia após os ministros das Relações Exteriores de todos os 28 países membros da União Europeia concordarem, por unanimidade, em também parar de vender para eles.