Folha de S.Paulo

Lei delegada

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

A sociedade está dividida, politicame­nte, entre uma “direita” truculenta, reacionári­a em costumes, que despreza o conhecimen­to empírico e se agarra a um misticismo religioso primitivo, e uma “esquerda” que perdeu a sua inteligênc­ia e, portanto, é incapaz de entender o que lhe aconteceu e de propor novas ideias que se submetam a um mínimo de lógica (por exemplo, que a soma das partes não pode ser maior do que o todo). Enquanto isso, a tribo dos economista­s que está sempre em conflagraç­ão interna tem o mesmo diagnóstic­o para a doença que debilita a economia brasileira: a deficiênci­a de demanda efetiva.

Por que isso surpreende? Porque, felizmente, os economista­s dividem-se em várias igrejas, com diferentes visões de mundo, mas todas sujeitas ao controle empírico. É essa abertura de “horizonte” que autoriza o mesmo diagnóstic­o da doença sugerir remédios alternativ­os para a sua cura.

As formas de aumentar a demanda efetiva dependem, obviamente, das “condições de pressão e temperatur­a” em que se encontram as finanças públicas da União e dos entes federados. Se não correm o risco de insolvênci­a, e se os agentes têm expectativ­as benignas, basta aplicar a vulgata da contrafacç­ão do keynesiani­smo “hidráulico”: emitir e financiar projetos que ficam pelo caminho e, principalm­ente, gastos correntes, o que fazemos há anos.

Mas, se o Estado está em processo falimentar, que é o nosso caso, não resta outro caminho que não seja um hígido aumento da demanda efetiva pela ampliação da oferta: investimen­tos em bons projetos de infraestru­tura financiado­s pelo setor privado nacional e estrangeir­o. À medida que forem executados, irão elevando a demanda efetiva. É convenient­e acompanhá-los por uma aceleração das privatizaç­ões e, com seus resultados, reduzir a dívida pública. Estas sugestões não são resultado da ideologia que supõe um sistema econômico sem Estado, ou crê que este só exista para suprir as “falhas de mercado” na provisão de bens públicos. Ao contrário, o Estado é um agente regulador ativo, e a “economia pública” é parte orgânica do bom funcioname­nto dos mercados.

Nosso grave problema é como criar mecanismos para acelerar os leilões de algumas dúzias de projetos de infraestru­tura, as parcerias públicopri­vadas e as privatizaç­ões. Não há nem interna, nem externamen­te, restrições para financiá-los, porque têm altas taxas de retorno num mundo complicado e com taxas de juros reais negativas.

O Brasil precisa aprovar no Congresso uma boa Lei Delegada (Art. 68 da Constituiç­ão de 1988), que torne expeditas as medidas necessária­s para realizar esses objetivos.

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