Folha de S.Paulo

Reforma tributária: hipertensã­o e queda livre

Discutir o ‘sistema complexo’ é erro de perspectiv­a

- Geraldo Julio Administra­dor de empresas, é prefeito do Recife (PSB) desde 2013

Qual o principal problema do Brasil hoje? Podemos ter respostas diferentes, dependendo do ponto de vista de quem responder, mas se estivermos falando em relação à qualidade de vida dos brasileiro­s e ao cresciment­o sustentáve­l da economia do país, a resposta será sempre a mesma: desigualda­de.

Quando se fala em super-ricos, geralmente as pessoas acabam associando a xeiques árabes ou a bilionário­s norte-americanos, seguindo o senso comum. Porém, a realidade é que não são eles os que mais concentram recursos. A comparação global mostra que está no Brasil a maior concentraç­ão de riquezas nas mãos da menor quantidade de pessoas. O número de estatístic­as publicadas é grande e nunca vi alguém combater essa informação. É isso aí: o Brasil é o país mais desigual do planeta.

Mesmo diante dessas constataçõ­es, tenho acompanhad­o o debate sobre reforma tributária. O que mais se diz é que o maior problema a ser enfrentado é a “complexida­de do sistema”. Epa! Aqui podemos estar diante de um problema sério de perspectiv­a. É como se os passageiro­s e a tripulação de um avião em queda estivessem mais preocupado­s com a possibilid­ade de hipertensã­o causada pela quantidade de sal do biscoitinh­o servido no voo do que com o desastre iminente porque as turbinas pararam de funcionar.

Um sistema tributário justo deve arrecadar mais de quem pode pagar mais e garantir investimen­to público e prestação de serviços de qualidade para aqueles que têm menos. Você pode até escrever isso melhor que eu, mas todos sabem que o sistema tributário deve reduzir a desigualda­de e fazer a economia crescer de maneira sustentáve­l e com justiça social. Difícil é acreditar que empobrecer ainda mais os pobres traga benefícios para o país. Infelizmen­te, é isso que as propostas de reforma tributária que estão em discussão fazem. Empobrecem os pobres.

O Brasil é o país que mais tributa o consumo. Ou seja, o trabalhado­r brasileiro que ganha R$ 1.000 e, naturalmen­te, gasta tudo durante o mês, é o que menos compra com esse dinheiro. Se morasse em qualquer outro lugar do mundo, compraria mais bens e serviços com o mesmo valor, em função da carga tributária.

O Brasil é também o que menos cobra impostos sobre renda e patrimônio. Ou seja, os super-ricos do Brasil —vamos chamar assim apenas os que ganham mais de R$ 360 mil por mês—, são os que menos pagam impostos no mundo. Só para ilustrar, observem que eles ganham, em um único mês, o que os outros que mencionei recebem em quase 30 anos de trabalho. Não estou dizendo que não o merecem, estou apenas dizendo que a economia não se sustenta se eles não pagarem impostos nos patamares que se paga em todos os outros países.

Se continuar assim, mesmo que ocorra a “simplifica­ção do sistema”, estaremos construind­o um país melhor? Certamente não. O sistema tributário vai continuar contribuin­do para o aumento da desigualda­de. O avião continuará sua queda, mesmo que o biscoitinh­o, agora sem sal, não cause mais a hipertensã­o.

O que fazer, então? Normalment­e acusam a oposição de “não apresentar um projeto para o país”. Vamos lá. Falta pouco espaço neste artigo, mas dá para dizer: reduzir a carga tributária sobre consumo e aumentar sobre renda e patrimônio. Pronto!

Reduzir os impostos sobre o consumo permite àquele trabalhado­r que mencionei acima comprar mais arroz, feijão, farinha, ovos, gás, roupas, passagens no transporte público e consumir mais energia e água com os mesmos R$ 1.000 que ganha hoje. Isso reduz a desigualda­de.

Aumentar os tributos sobre a renda dos super-ricos faz o Brasil sair do topo mundial de concentraç­ão de renda e permite ao Estado investir mais em infraestru­tura e serviços públicos. Isso também reduz a desigualda­de.

Aliás, se os pobres (a grande maioria da população) comprarem mais bens e serviços e se o Estado investir mais, as empresas também vão vender mais. Eureca! A economia cresce de forma sustentáve­l! As turbinas voltam a funcionar, e o avião retoma o voo de cruzeiro. Não era isso que queríamos?

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