Folha de S.Paulo

Turquia espera retorno em massa de sírios, diz chanceler

Operação contra curdos visa enviar 2 milhões de pessoas de volta à Síria; país abriga 3,5 milhões de refugiados

- Patrícia Campos Mello

são paulo A Turquia espera que o estabeleci­mento da zona de segurança ao longo de sua fronteira com a Síria leve a um “retorno em massa” de refugiados sírios que estão em território turco, diz o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu.

“Queremos estabelece­r um corredor de paz ao longo da fronteira da Síria [com a Turquia], onde os verdadeiro­s donos da Síria irão morar em paz, segurança e harmonia”, disse o chanceler em entrevista por email à Folha.

A Turquia abriga mais de 3,5 milhões de refugiados sírios e pretende, com a operação contra os curdos, enviar até 2 milhões de volta à Síria. A maior parte dos refugiados, no entanto, é árabe, e o território para onde serão mandados é de maioria curda.

Mesmo assim, Cavusoglu nega que a Turquia planeje uma “arabização” na região curda. Isso já foi feito antes, pelo regime sírio —nos anos 1970, o governo de Hafez al Assad confiscou terras dos curdos e reassentou famílias árabes no nordeste da Síria, diluindo a maioria curda e enfraquece­ndo-a politicame­nte.

Por que é necessário estabelece­r uma zona de segurança ao longo da fronteira da Turquia com a Síria? Qual será a extensão e a profundida­de dessa zona?

A Turquia está lutando contra uma série de organizaçõ­es terrorista­s que representa­m uma ameaça para nossa segurança nacional.

Algumas encontrara­m um abrigo seguro na Síria, por causa do conflito que se instalou no país. Por meio de túneis cavados pela PYD/YPG ao longo das áreas fronteiriç­as, explosivos e munição têm sido contraband­eados para a Turquia para serem repassados à organizaçã­o terrorista PKK.

Vínhamos negociando havia bastante tempo com os EUA o estabeleci­mento de uma zona de segurança. No entanto,

apesar dos nossos esforços, as negociaçõe­s foram inconclusi­vas. Diante disso, lançamos no dia 9 de outubro a Operação Paz da Primavera, que será limitada, e nossa presença militar será temporária.

Qual é o objetivo final da operação?

Vamos manter a operação até que todos os terrorista­s tenham sido varridos da região, a segurança de nossas fronteiras tenha sido garantida e a população síria local tenha sido libertada da tirania do PYD/YPG, além da ameaça do Estado Islâmico.

Outro resultado positivo será o fortalecim­ento da integridad­e territoria­l da Síria, uma vez que a operação impedirá o PYD/YPG de impor sua agenda separatist­a.

Como ocorreu com nossas operações prévias no noroeste da Síria, só terrorista­s são alvos. Temos histórico consistent­e nas nossas duas operações prévias. Mostramos à comunidade internacio­nal que é possível conduzir operações antiterror­ismo sem atingir civis ou infraestru­tura civil.

O presidente Erdogan pretende reassentar até 2 milhões de refugiados sírios que estão atualmente na Turquia. Não se trata de uma violação da lei humanitári­a que impede a devolução involuntár­ia de refugiados para locais onde estejam sob ameaça?

A Turquia é o país que mais abriga refugiados no mundo e respeita integralme­nte a regra de non-refoulemen­t. O retorno deve ser seguro e voluntário.

Mas o fardo da migração sobre a Turquia é pesado, não podemos receber outra onda de migração. Se prepararmo­s o esquema de segurança necessário, com condições físicas e de infraestru­tura, os sírios estão dispostos a voltar.

Um dos objetivos da operação é permitir a volta segura e voluntária de refugiados sírios para seus lugares de origem e a outros locais que escolham dentro da Síria, obedecendo à lei internacio­nal.

Esperamos que o estabeleci­mento da zona de segurança estimule o retorno em massa para a região. Até agora, mais de 365 mil sírios voltaram de forma voluntária e segura para as áreas que livramos de terrorista­s nas operações anteriores. Esperamos que mais sírios escolham voltar para sua pátria após a Operação Paz da Primavera estabiliza­r a área.

Onde os refugiados serão reassentad­os? A maioria dos refugiados sírios na Turquia é árabe e não é originalme­nte do nordeste da Síria. Há um potencial para conflitos com os habitantes atuais da área, que são curdos?

Quero deixar uma coisa muito clara: a Turquia não tem nenhum plano para modificar a estrutura demográfic­a na área. Ao contrário, essa operação tem como objetivo permitir a volta de sírios que foram desalojado­s por causa de ações da PYD/YPG, que cometeram crimes contra a humanidade, entre eles limpeza étnica.

Uma zona de segurança vai estimular esses sírios, inclusive os mais de 300 mil sírios curdos na Turquia, a voltar para suas casas. Queremos estabelece­r um corredor de paz ao longo da fronteira, onde os verdadeiro­s donos da Síria irão morar em paz, segurança e harmonia.

A SDF afirmou que, com uma invasão turca, não teriam mais capacidade para policiar as prisões com milhares de combatente­s do EI. A Turquia será responsáve­l por esses combatente­s?

Como o único país que se envolveu na luta corpo a corpo contra o EI na Síria, a Turquia considera que o destino dos terrorista­s presos do EI é de importânci­a vital.

Nós iremos manter as conquistas na luta contra o EI e vamos lidar de forma eficiente com o problema dos terrorista­s estrangeir­os. A única solução é a repatriaçã­o de todos os terrorista­s estrangeir­os para seus países de origem. A comunidade internacio­nal não deveria deixar o PYD/YPG explorar essa questão para tentar ganhar legitimida­de e manter seu império de terror.

 ?? Turkish Foreign Ministry/Fatih Aktas/AFP ?? Mevlut Cavusoglu, 51 Ministro das Relações Exteriores da Turquia, é um dos fundadores do Partido Justiça e Desenvolvi­mento (AKP, na sigla em turco)
Turkish Foreign Ministry/Fatih Aktas/AFP Mevlut Cavusoglu, 51 Ministro das Relações Exteriores da Turquia, é um dos fundadores do Partido Justiça e Desenvolvi­mento (AKP, na sigla em turco)

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