Folha de S.Paulo

‘Me senti brasileiro’, diz imigrante do Haiti ao beijar pela 1ª vez em público

- Flávia Mantovani LEIA O ESPECIAL SOBRE IMIGRANTES DE SÃO PAULO folha.com/imigrantes­desp Professor de francês e palestrant­e, Manier Sael, 44, é do Haiti e está no Brasil desde 2013

são paulo Este depoimento faz parte do especial multimídia Imigrantes de SP, que traz o ponto de vista de estrangeir­os que vivem na cidade. Novas histórias serão publicadas periodicam­ente.

O Haiti já era economicam­ente fraco, mas depois do terremoto se tornou um deserto, parecia que não tinha mais vida. O Brasil tem bom coração. Quando cruzamos a fronteira, os taxistas do Acre nos abraçaram. Falei: “O amor que a gente tem pelo Brasil eles também têm pela gente”.

Fui do Acre para São Paulo sem saber onde iria dormir. Encontrei no ônibus mais cinco haitianos e uma brasileira que começou a bater papo com a gente. Chegando na rodoviária, a irmã dela e o cunhado estavam lá. Conversara­m entre eles, voltaram e nos falaram: “Vamos conosco?”.

Esse casal chamou os filhos e os netos e fez uma festa naquela noite. Pegaram seis estranhos de outro país e colocaram dentro da casa deles. Ficamos hospedados lá um mês.

Por isso eu falo: o amor existe ainda. Para mim o que eles fizeram foi uma coisa extraordin­ária. Isso marcou minha vida, e quero compartilh­ar esse amor com outras pessoas. Esse casal considero meu pai e minha mãe. Eles me chamam de filho, e quando casei foi essa mãe que entrou comigo.

Minha esposa é brasileira, nos conhecemos na igreja. Ela me conquistou já no primeiro dia. Falei: “Eu amo você”. Ela me disse: “Mas você nem sabe o que é amar”. “Eu sei, sim”.

Hoje temos uma filha, Rebeca. Quando ela aceitou namorar comigo, falei que tinha uma vontade: beijar na rua para ver a sensação. No Haiti isso não existe. É uma coisa que nunca tinha visto face a face, só na TV. Ela falou que tudo bem. Como eu me senti nessa hora? Me senti brasileiro.

Meu pai morreu quando eu estava aqui em São Paulo. Chorei muito, porque não consegui passar a mão na cabeça dele pela última vez. Tudo por causa do governo do Haiti, dos políticos que roubam tanto, e aí a gente tem que deixar nosso país e se afastar da família. Ainda bem que Deus me deu outra família aqui que me ama muito.

 ?? Bruno Santos - 4.ago.19/Folhapress ?? O haitiano Manier Sael, que veio para o Brasil em 2013 e foi acolhido por brasileiro­s em SP, e sua filha, Rebeca; para o imigrante, eles são sua segunda família
Bruno Santos - 4.ago.19/Folhapress O haitiano Manier Sael, que veio para o Brasil em 2013 e foi acolhido por brasileiro­s em SP, e sua filha, Rebeca; para o imigrante, eles são sua segunda família

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil