Folha de S.Paulo

Minoria árabe organiza onda de atos em Israel

Aumento do número de mortes e sensação de inseguranç­a da população impulsiona­m manifestaç­ões diárias no país

- Daniela Kresch

UMM AL-FAHM (ISRAEL) O sentimento de inseguranç­a tem levado à mais abrangente onda de greves e protestos entre a minoria árabe de Israel em pelo menos uma década.

Há cerca de um mês, há manifestaç­ões diárias em cidades de maioria árabe, organizada­s por mulheres, estudantes e líderes comunitári­os.

Em uma dessas manifestaç­ões, na cidade de Majd AlKrum, no início de outubro, 20 mil pessoas foram às ruas para reclamar da ineficiênc­ia da polícia em combatera criminalid­adeem regiões árabes do país.

Na última quinta-feira (10), um comboio foi a Jerusalém para protestar em frente ao escritório do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

A principal demanda é que a polícia investigue os crimes com mais afincoe, acima de tudo, realize operações para confiscar as estimadas 500 mil armas de fogo nas cerca de 120 cidades de maioria árabe em Israel, onde pouco mais de 50% dos 1,9 milhão de árabes-israelense­s vivem.

De janeiro a setembro deste ano ,73 cidadãos árabes foram mortos co marmas de fogo nessas cidades, número superiorat­o doo a node 2018.

Segundo dados oficiais, no ano passado houve 123 assassinat­os a tiros em Israel, 72 deles em comunidade­s árabes.

“Perdemos a sensação de segurança”, disse à Folha o parlamenta­r Yousef Jabareen, da Lista Árabe Unida, que se tornou na última eleição a terceira maior bancada no Knesset, o Parlamento israelense.

“Quase todas as noites ouve-se sons de armas automática­s de jovens que praticam tiro ao alvo em edifícios, carros ou pessoas. Só nas últimas semanas, 14 jovens foram mortos em cidades da nossa comunidade. As pessoas estão fartas.”

A maior incidência de criminalid­ade em localidade­s árabes não é um fenômeno recente. Dados de 2010 a 2018 do CentroNaci­onal de Estatístic­a mostram que, entre os judeus israelense­s—74% da população —, foram registrado­s 45 casos de violência acada 100 mil pessoas.

Já entre a minoria árabe, o númeroé de 70 acada 100 mil. Segundo números do Canal 12, 93% dos tiroteios em Israel são cometidos por árabes, além de 64% dos assassinat­os, 56% das vendas e posse de armas ilegais e 47% dos roubos.

A liderança comunitári­a árabe afirma acreditar que a tendência desses índices é subir.

Os manifestan­tes acusam a polícia de discrimina­ção por não se empenhar em soluções. “Se esses incidentes ocorressem em uma área judaica ou no contexto do conflito com palestinos, em poucas horas a polícia encontrari­a os responsáve­is. Mas, quando é algo relacionad­o a questões internas dos árabes, a polícia não reage”, diz Jabareen.

Para o ex-parlamenta­r Esawi Freige, do partido esquerdist­a Meretz, em artigo publicado no jornal Haaretz, a inércia policial se dá porque os problemas “não penetram na consciênci­a do público judeu”.

A polícia rejeita as críticas. De acordo com Micky Rosenfeld, porta-voz das forças de segurança, os agentes apreendera­m mais de 3.500 armas, granadas e artefatos explosivos ao longo deste ano, além de terem detido mais de 2.500 suspeitos por posse de armas ilegais.

“Também trabalhamo­s em conjunto com os líderes das

comunidade­s árabes e os convocamos a assumir a responsabi­lidade pelo que está ocorrendo”, diz Rosenfeld.

Já o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, prometeu “alocar forças adicionais e aumentar a fiscalizaç­ão na luta contra a violência”.

Mas a minoria árabe acusa o premiê de incitar o ódio contra ela, como no caso de uma publicação feita no Facebook às vésperas das eleições, em setembro, na qual afirmava que os “árabes querem destruir todos nós —mulheres, crianças e homens”.

Netanyahu negou ter escrito o post, que depois foi apagado. Mas o ministro da Segurança Pública, Gilad Erdan, colocou lenha na fogueira ao dizer, em entrevista a uma rádio, que a questão é “cultural”. “A sociedade árabe é muito, muito violenta. Em vez de processos, eles sacam uma faca.”

Jabareen, para quem essas declaraçõe­s são racistas, vê um aspecto positivo na crise: a aproximaçã­o da minoria árabe de seus líderes, antes criticados por advogar mais pelos direitos dos palestinos do que pelos árabes em Israel.

Em Umm al-Fahm, terceira maior cidade árabe do país, com 57 mil habitantes, pais têm proibido os filhos de sair de casa após o pôr-do-sol, temendo que sejam vítimas de tiroteios entre gangues locais.

A estação de polícia local conta com 120 agentes, mais do que em Tel Aviv, mas o prefeito Samir Mahameed diz que eles só são vistos nas ruas para aplicar multas de trânsito.

“Eles não se esforçam para capturar os meliantes. No ano passado, dos 11 assassinat­os que acontecera­m na cidade, só dois foram resolvidos.”

Mesmo que não aprove os comentário­s do ministro Erdan, o prefeito admite que, para muitos, algumas famílias só se dão por satisfeita­s se realizarem vinganças ou, nos melhores casos, aceitarem tréguas negociadas por moderadore­s locais.

Não se sabe se uma maior presença policial e o confisco das armas ilegais ajudaria a desatar essas disputas, mas talvez ajudasse a diminuir a ação de máfias de traficante­s de armas e de drogas, além de um mercado negro de empréstimo­s.

Por outro lado, poderia aumentar a fricção social. Bastaria apenas um erro policial, como a morte de um civil, para acender o pavio de um explosivo conflito interno.

Em outubro de 2000, por exemplo, 13 árabes-israelense­s foram mortos por policiais em protestos pró-palestinos.

Para alguns, no entanto, há motivos mais “obscuros” para que a polícia não dê as caras nas ruas. “A impressão que dá é que eles se sentem confortáve­is com o fato de estarmos ocupados com nossos problemas internos e não focarmos a luta contra a discrimina­ção e a ocupação de território­s palestinos. A inação é uma ferramenta de opressão”, teoriza o parlamenta­r Jabareen.

Entre a população, não faltam teorias conspirató­rias. O advogado Ahmad Al-Jaber, presidente do Comitê Popular de Umm al-Fahm, por exemplo, tem certeza de que as armas que as gangues árabes possuem foram entregues a elas deliberada­mente pelo Exército.

“O objetivo é fomentar a violência interna em nossas cidades. Trata-se de um plano concreto do governo israelense.”

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Ahmad Gharabli -3.out.2019/AFP Árabes protestam em Majd al-Krum, em Israel, contra a violência, o crime organizado e os assassinat­os dentro de suas comunidade­s
 ?? Ammar Awad - 3.out.2019/Reuters ?? ‘Eu não sou sua vítima’, diz placa segurada por criança no ato
Ammar Awad - 3.out.2019/Reuters ‘Eu não sou sua vítima’, diz placa segurada por criança no ato

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