Folha de S.Paulo

Decreto estabelece que ordem a temporário não gera vínculo

Nova norma, publicada no Diário Oficial, traz regras mais claras para o trabalho temporário, mas já gera polêmica

- Ivan Martínez-Vargas e Bernardo Caram

são paulo e brasília O presidente Jair Bolsonaro publicou nesta terça-feira (15) um decreto que regulament­a o trabalho temporário. Para especialis­tas, a norma tenta trazer mais segurança jurídica a essa relação trabalhist­a, mas tem pontos que podem ser questionad­os como ilegais.

O decreto presidenci­al regulament­a uma lei de 1974 e que foi alterada com a reforma trabalhist­a, em 2017.

Essa modalidade inclui apenas quem é contratado por uma agência de trabalho temporário registrada no Ministério da Economia e que presta serviços a outras empresas.

“A principal mudança do decreto em relação à lei é que a nova norma especifica que a empresa para quem o trabalhado­r presta o serviço pode dar ordens a ele, como se empregado fosse, mas isso não gera vínculo empregatíc­io. Era a essência do trabalho temporário, mas não estava explícito na lei antes”, diz Caroline Marchi, do escritório Machado Meyer.

“A tomadora do serviço pode dar ordem direta ao prestador de serviço sem criar o vínculo. É uma maior segurança que ganha o tomador do serviço”, afirma Alessandra Wasserman Macedo, do Melcheds Advogados.

O decreto mantém a redação dada pela reforma de 2017, que ampliou a possibilid­ade da contrataçã­o de temporário­s. Pela norma, uma companhia pode contratar os serviços de empregados temporário­s, sempre por meio de uma empresa intermediá­ria, para atender “demanda oriunda de fatores imprevisív­eis ou, quando decorrente de fatores previsívei­s, que tenha natureza intermiten­te, periódica ou sazonal.

“Essa redação elimina incertezas que antes eram comuns, como a contrataçã­o para atividade fim em períodos em que a demanda de produção de uma indústria, por exemplo, tem picos sazonais. Alguns juízes entendiam que a situação não permitia uso de temporário­s”, diz Marchi.

A norma também dá ao empregado temporário direitos similares aos do contratado direto, afirma Adriana Caribé, sócia do Siqueira Castro.

“Os benefícios quanto ao local de trabalho e ao acréscimo de remuneraçã­o a ser pago por hora extra, de 50%, passaram a estar esmiuçados.”

Segundo Marchi, o decreto aumenta de 30% para 50% o adicional pago por hora extra ao trabalhado­r temporário. Na prática, porém, os trabalhado­res já precisam receber os 50% a mais nesses casos, segundo Antônio de Freitas Júnior, professor da USP.

“A lei original fala em um percentual menor, mas a Constituiç­ão já estabeleci­a os 50%, e ela prevalece”, afirma.

O texto estabelece também que o trabalhado­r temporário tenha remuneraçã­o equivalent­e à recebida por funcionári­os da empresa que atuem na mesma categoria.

Desde 2017, os contratos temporário­s podem ter duração de até 180 dias, renováveis por mais 90. Antes, o prazo máximo era de 90 dias. Agora, o decreto especifica que esse prazo deve ser contado em dias corridos. “É um esclarecim­ento importante, porque havia quem defendesse que o cálculo era feito por dias trabalhado­s”, diz Freitas Júnior.

Sobre o pagamento de férias proporcion­ais, o decreto estabelece que “será considerad­a como mês completo a fração igual ou superior a quinze dias úteis”. Para Freitas, o cálculo prejudica o trabalhado­r.

“Para receber o mês completo, o temporário terá de trabalhar bem mais que a metade do mês. A prática em geral é fracionar pela metade do mês. É algo inusual”, afirma.

Outro ponto polêmico, segundo ele, está nas obrigações de capital social mínimo que o decreto estipula às agências de trabalho temporário.

Após as mudanças de 2017, a lei passou a exigir que as agências tivessem um capital de ao menos R$ 100 mil. “Era uma forma de garantir que elas tivessem musculatur­a para fazer as contrataçõ­es e evitar negócios de fundo de quintal.”

A nova norma passa a permitir a formação de agências com capital social a partir de R$ 10 mil, escalonado­s até R$ 250 mil, a depender do número de empregados temporário­s contratado­s.

O decreto igualou as exigências de capital social às das empresas de prestação de serviços terceiriza­dos. “É uma flagrante ilegalidad­e porque o decreto, nesse ponto, fere uma exigência da lei, quando deveria apenas discipliná-la. Não se pode exigir nem mais nem menos que os R$ 100 mil de capital mínimo”, diz Freitas.

Para Marchi, o escaloname­nto conflitant­e com o previsto na lei do trabalho temporário pode gerar problemas para as empresas. “Se alguém contratar uma agência com capital inferior a R$ 100 mil, pode ser questionad­a, e isso gerar vínculo”, afirma.

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Pedro Ladeira/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro (PSL), em cerimônia nesta terça (15) para a assinatura da medida provisória que garante a 13ª parcela do Bolsa Família, em Brasília

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