Folha de S.Paulo

Dinheiro fica barato, mas falta obra

Desde a semana passada, taxa real de juro básico é a menor da história conhecida

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

Desde a semana passada, a taxa básica de juros no mercado é a mais baixa da história de que se tem registro. Está perto de 1% ao ano e deve ir abaixo disso nas próximas semanas.

Trata-se aqui da taxa básica dos negócios com prazo de um ano, descontada a inflação esperada. É uma espécie de piso dos juros de mercado, a taxa no atacadão de dinheiro grosso, digamos.

É uma novidade exótica o Brasil ter juro real perto de zero, mesmo com economia deprimida —por falar nisso, convém verificar suas aplicações de renda fixa mais comuns, que vão render nada ou menos do que isso, pelo próximo ano, ao menos.

Trata-se de novidade desperdiça­da, em parte. O país parece um morto de sede que vê água fresca cair e sumir na terra esturricad­a. Por exemplo, jamais houve condições tão boas, em termos financeiro­s, para se conceder obras, como estradas e ferrovias, para empresas privadas. No entanto faltam projetos, regras atrativas e, talvez, perspectiv­a de que não haverá loucuras econômicas ou regulatóri­as daqui a alguns anos. O país costuma surtar, como sabemos.

No final dos anos 1990 e começo dos 2000, o governo paulista privatizou (concedeu) um monte de estradas. A taxa real de juros andava pela casa de 15% ao ano (alturas onde andava também, óbvio, a exigência de retorno das concession­árias, que levaram um negócio gordo). Agora, o dinheiro está barato e em tese sobra capital no mundo. Quede os projetos, licitações etc.?

Sim, as estradas de São Paulo já eram boas, passam pelas regiões mais ricas do país, um negócio quase garantido. Não é o caso normal das estradas brasileira­s. Além do mais, quem investiria na construção de estradas novas ou quase isso? Ainda assim, estamos jogando fora a água fresca do juro baixo e, afinal, mais de 20 anos de experiênci­a de privatizaç­ão. Qual o problema?

Sem investimen­to privado, não haverá quase obra alguma. Este 2019, o investimen­to federal será o menor deste século. Na lista dos projetos que receberam mais dinheiro até o momento (verba empenhada), não há nenhuma grande obra de infraestru­tura. Dos 20 maiores orçamentos, 6 são militares (compra de caças, de avião cargueiro, controle de espaço aéreo, estaleiros, submarinos, veículos militares).

Dos R$ 18,8 bilhões empenhados até agora, R$ 4 bilhões vão para a Defesa e R$ 5,4 bilhões para a Infraestru­tura — desse dinheiro, dois terços vão para apenas para a manutenção de rodovias e a dragagem de um porto.

O maior projeto de infraestru­tura é uma adutora em Pernambuco (R$ 474 milhões). Depois, a ferrovia oeste-leste, na Bahia (R$ 283 milhões) e um conjunto de obras picadas em saúde e escolas.

É uma tragédia, nota-se mesmo com essa pincelada rápida nos dados. O governo quase não vai investir mais nos próximos anos, por uma conjuntura adversa: há obstáculos fiscais (déficits), econômicos, políticos e ideológico­s. Mas não há projetos públicos bastantes para aproveitar os juros baixos com concessões, como se escreve aqui nestas colunas faz quase meia década.

Quanto a investimen­tos em capacidade produtiva, as empresas podem levantar capital barato no mercado (que de fato tem crescido), mas ainda têm muita capacidade ociosa e medo do futuro, de uma economia cronicamen­te estagnada. Sim, o cresciment­o deve melhorar um tico, de agora em diante, com essas taxas de juros historicam­ente baixas. Mas ainda será uma ninharia, dadas as necessidad­es.

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